
Ruínas de uma fábrica automobilística em Detroit (EUA), cidade que já foi conhecida como a capital mundial do carro.
Nem bem chegamos ao fim da primeira quinzena de 2021, e enquanto estamos todos torcendo pela vacina, já nos vem a segunda bomba do ano para fazer pensar (a primeira foi a invasão do Capitólio, nos EUA, pelos fanáticos trumpistas): a Ford, empresa estadunidense produtora de veículos, depois de 100 anos, vai parar de produzir no Brasil.
A decisão, anunciada pela transnacional no dia 10 de janeiro, leva ao fechamento das últimas três unidades de produção no Brasil (a unidade de São Bernardo do Campo já havia sido fechada antes): Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE) – será mantido apenas o escritório em São Paulo, sede na América do Sul.
A fábrica de Camaçari, onde eram montados alguns modelos, é resultante da queda de braço dos baianos com os gaúchos no fim dos anos 1990, quando os baianos, do então cacique Antônio Carlos Magalhães e base do Governo FHC, ofereceram à multinacional mais subsídios e isenções que o governo gaúcho de Olívio Dutra, oposição ao governo federal de então.
Na fábrica de Taubaté, de 1974, eram produzidos motores e transmissões, e na fábrica de Horizonte era fabricado o utilitário Troller. A unidade cearense já era uma produtora nacional e foi adquirida pela Ford em 2007.
Devem ser perdidos cerca de cinco mil empregos diretos, já nesse ano (com as outras cinco mil demissões já anunciadas pelo Banco do Brasil, embora criticadas por Bolsonaro, seriam dez mil bons empregos formais que se vão em menos de 15 dias de 2021, além dos que estão ligados a eles).
Muito ainda será discutido sobre o fato, do ponto de vista econômico e político. De fato, em suas operações no Brasil, a Ford vinha há tempos perdendo espaço para sua conterrânea General Motors, para a alemã Volkswagen, para a italiana Fiat, para a sul-coreana Hyundai, para a franco-japonesa Renault-Nissan, que já tinham mais participação no mercado que a Ford, além de outras que entraram no mercado nacional no período mais recente, inclusive chinesas.
Também é verdade que a empresa tinha decidido concentrar suas operações na área de SUVs (utilitários esportivos) e que resolveu manter suas operações na Argentina e no Uruguai, o que lhe possibilita seguir tentando disputar o mercado brasileiro utilizando as regras do Mercosul. Além disso, existe uma recomposição e uma reestruturação mundial do setor com a transição para carros elétricos, processo que está ainda retardado no Brasil.
Também é fato que a Ford, assim como a quase totalidade das empresas do setor automotivo, estrutura muito da sua produção com o recebimento de subsídios e facilidades fiscais. Desde os anos 1990, esse comportamento da indústria automobilística no país acirrou a guerra fiscal entre os estados (de fato, a entrada da Fiat nos anos 1970, localizando-se em Minas Gerais e não na tradicional área de São Paulo, já tinha antecipado essa discussão).
Finalmente, a crise dos últimos cinco anos no Brasil reduziu progressivamente o mercado para automóveis. Não só no país, mas no âmbito do Mercosul, que é o mercado tomado em consideração para as empresas que investem no Brasil, mas onde obviamente este país representa a maior parcela.
Os subsídios concedidos pelo programa Rota 2030, entretanto, estariam garantidos até meados dos anos 30 deste século. O programa foi aprovado ao fim de 2018 para substituir o Inovar-Auto, vigente entre 2013 e 2017, com extensão por um período de 15 anos. A menos que a Ford estivesse reivindicando mais benefícios, esses estariam garantidos.
Assim, de fato, parece que a combinação entre a redução do mercado na área do Mercosul e a reestruturação internacional da empresa devem ter sido os fatores fundamentais para a decisão.
No entanto, do nosso ponto de vista interno, não cabe muito discutir as decisões estratégicas de uma transnacional, mas fundamentalmente nossas questões nacionais. Nesse sentido, a saída da Ford, assim como no período imediatamente anterior, a produção de automóveis pela Mercedes (grupo alemão Daimler AG), ou a desativação da fábrica da Sony em Manaus são marcos no processo de desindustrialização no nosso país.
Mais grave que o fechamento de uma unidade, ou a saída de uma empresa, é que há muito não se discute de forma consistente e estruturada o processo de industrialização do Brasil.
Aparentemente, estamos por decisão política ou talvez pior, por indecisão política, condenados a não ter política industrial, em um momento em que o exemplo chinês mostra a importância da indústria no processo de crescimento e desenvolvimento econômico. Por aqui, seguimos andando sem estratégia. E quem tenta funcionar sem estratégia, é parte ou sofre os efeitos da estratégia de alguém.