O IBGE divulgou em fins de 2020 o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, das Unidades da Federação (UF’s) e dos municípios brasileiros relativos ao ano de 2018. De acordo com as informações disponíveis, o PIB do Brasil foi de R$ 7.004,1 bilhões, tendo crescido 1,8% em relação a 2017. Já o PIB fluminense alcançou R$ 758,9 bilhões (10,8% do total) e evoluiu menos do que o nacional: 1,0%. Esse valor dividido pelo número de residentes do estado do Rio de Janeiro (RJ), resultou no PIB per capita de R$ 44,2 mil. Se o PIB do RJ era o 2º maior do país (atrás de São Paulo), o per capita era o 3º (além de SP e o Distrito Federal, primeiro colocado).

O crescimento fluminense inferior ao nacional foi obtido graças à evolução do setor Serviços (1,4%), que era responsável por 75,7% do PIB fluminense em 2018, compensando os resultados negativos dos outros setores econômicos: Agropecuária (-1,3%) e Indústria (-0,8%). Mesmo tendo crescido menos que o Brasil, naquele ano a economia fluminense voltou a ter resultado positivo depois de quedas sucessivas nos anos 2015, 2016 e 2017 devido à recessão econômica de 2014-2016 e às crises econômica e política que a sucederam. Além disso, a recuperação tardia no estado do RJ (no Brasil a reversão foi menos traumática) teve como complicadores os efeitos decorrentes da captura do Estado que afastou governadores e comprometeu o orçamento público.

As informações anteriores do PIB se referiram à soma das riquezas geradas pelas atividades econômicas (ótica da produção), mas se considerarmos quem recebe ou se apropria das rendas produzidas pelos setores econômicos segundo seus componentes (trabalho, capital e impostos sobre a produção), teremos a ótica da Renda, que mostra qual dos agentes econômicos se beneficia da política econômica praticada pelo governo federal. A partir dos resultados disponibilizados pelo IBGE observou-se que as maiores participações na apropriação da renda gerada em 2018 no estado do Rio de Janeiro foram as do trabalho (42,4% do PIB) e do capital (39,5% do PIB).

A participação de cada componente, no entanto, evoluiu de maneira diferenciada ao longo da década (ver gráfico). Os efeitos do crescimento inclusivo vivenciado nos anos 2000 levaram ao aumento sistemático da participação da renda do trabalho no PIB (ver gráfico) entre 2010 e 2016, mas com a ruptura do modelo de crescimento a partir da chegada de Michel Temer à presidência após o impeachment de Dilma Rousseff voltou a declinar. A reorientação neoliberal na condução da política econômica proposta por Temer, que inclui a implantação do teto de gastos em 2016 e a subsequente redução do investimento público e de recursos para políticas sociais, bem como a implantação da reforma trabalhista de 2017, levaram a que a participação do trabalho regredisse ao nível em que se encontrava em 2010.

A evolução dos componentes do PIB pela ótica da Renda demonstra, portanto, a quem a orientação alternativa adotada pela política econômica em curso se propõe beneficiar, com a redução da participação do trabalho em benefício do capital. Como resultado, as sequelas da mudança do modelo de crescimento adotado em nível federal se manifestam em crescimento econômico inexpressivo e insuficiente para a melhoria do bem-estar da população em geral, apesar das promessas sempre retumbantes da equipe econômica.

Tal postura, por seu turno, se alinha a uma das formas de captura do Estado pelo credo neoliberal segundo Francisco Durand em La captura del Estado em América Latina: reflexiones teóricas (2019), por meio de narrativa que ratifica a política econômica mainstream, cujos argumentos são amplamente disseminados pela mídia impressa e televisiva que abriga simpatizantes ideológicos formados em escolas alinhadas à ideologia neoliberal, aos quais é dado espaço para exporem suas opiniões, bem como a outros distribuídos em postos-chave na administração pública, não por acaso.

Em que pese a gravidade do momento que passamos em termos sociais devido à pandemia, e a manifestação contrária ao abandono de políticas de apoio à renda e ao emprego por órgãos tais como o Fundo Monetário Internacional, a narrativa adotada pela equipe econômica tem sido a de que a economia brasileira está em franca recuperação e a vida volta ao normal, tornando o auxílio prestado em 2020 desnecessário. Além disso, e dado o quadro róseo enxergado pelas lentes econômicas do governo, devemos retomar o controle da dívida pública e fortalecer o teto de gastos, para que a credibilidade fiscal motive a volta dos investimentos privados e alavanque o crescimento, como em outros momentos em que esta mesma fábula foi contada, mas o fim da estória não confirmou as promessas.

Causa estranheza tamanha indiferença e insensibilidade social fiscal, pois passa a impressão de que as quedas da pobreza e da desigualdade promovidas pelas iniciativas desenhadas em última instância pelo Congresso (e não pelo governo) incomodaram bastante o projeto neoliberal brasileiro. Talvez por exaltarem a vida das pessoas (em geral) que o orçamento público deveria ter por princípio, em detrimento dos benefícios decorrentes do projeto neoliberal na vida de algumas pessoas (em particular), cuja renda, por exemplo, o sistema tributário não alcança na medida em que deveria e o teto de gastos não constrange (como o gasto com juros da dívida pública), ou dos ricos que não são tributados e assim expandem o teto da fortuna (que aumentou no ano passado).

Em vista disso, a alternativa que resta é propor que o sustento daqueles que não foram abandonados em 2020 seja preservado por políticas desenhadas para garantir sua sobrevivência, tributando quem não contribui e sempre é “esquecido” pelo projeto neoliberal brasileiro. Até porque a pandemia não acabou no Brasil, a recuperação em V é uma vergonha e o Estado deve servir a todos, e não ser capturado por alguns.