Não há nenhuma dúvida, pelo menos para mim, que o Brasil atravessa o pior momento de sua história.
Ao longo dos nossos mais de cinco séculos de colonização europeia tivemos um processo de acumulação de capital lento, parcela significativa de nossa poupança foi drenada para o exterior e vivemos séculos de um longo e criminoso período escravagista.
A dependência e a exploração marcam nossa história: nos primórdios, pela coroa portuguesa, mais tarde pelo capital inglês e recentemente pelo capitalismo transnacional, liderado pelos Estados Unidos. Tivemos uma independência tardia, tutelada pela coroa portuguesa, e um clero atrasado, assim como um poder militar conservador, ambos sempre presentes na cena política. Nossa predadora elite concentrou de forma absurda renda, riqueza e poder, submissa aos interesses e à tutela externa e nunca teve intenção, capacidade ou ambição de lutar por um projeto de uma nação. Uma elite entreguista, rastaquera.
Se analisarmos o comportamento da economia brasileira desde a fase inicial da industrialização, dos anos 40 até hoje, verificamos a existência de dois períodos distintos. Da primeira fase do governo Vargas até o final da década de 70 a economia brasileira teve acelerado crescimento. A taxa média anual beirou os 7%. No período do “milagre”, na década de 70, aproximou-se dos 9% ao ano.
Já no segundo, nas últimas quatro décadas, a situação se inverteu. Ocorreu uma brutal queda no ritmo de crescimento. A taxa média anual “encolheu” para modestos 2%. A hegemonia do neoliberalismo, a era Reagan/Thacther, iniciou um longo período de baixo dinamismo que perdura até hoje.
Entre 2003, ano da posse de Lula, até 2013 a economia brasileira cresceu a uma taxa média de 3,4% ao ano. Um bom desempenho, se considerarmos que no biênio 2008/2009 eclodiu nos Estado Unidos uma crise financeira – a chamada “bolha imobiliária” – que provocou forte recessão na economia mundial.
Coincidentemente, 2013 foi o ano em que o Brasil começou a navegar em águas turvas e turbulentas. Tudo que de ruim aconteceu depois começou ali.
O movimento passe livre, velha bandeira da esquerda e do movimento estudantil, desencadeou um processo de mobilização popular. Paulatinamente, a pauta foi se deslocando para a direita e as palavras de ordem passaram a ser “a corrupção é o mal maior”, “todo político é ladrão”, “fora partidos políticos”. Assume a liderança dos protestos, que se ampliam com o apoio da grande mídia, o Movimento Brasil Livre (MBL), patrocinado por uma franquia internacional, a Student For Liberty, financiada por fundações da direita neoliberal como a Koch Brothers, com o apoio da ala jovem do PSDB, liderada por Aécio Neves, e grupos de extrema direita financiados por Ronaldo Caiado e Eduardo Cunha. O coro final ampliado passou a ser “PT corrupto”, “fora PT”. O falso moralismo que a direita usara como pretexto para apear Getúlio Vargas 60 anos antes foi novamente utilizado para iniciar um processo de derrubada de um governo legitimamente eleito. O fatídico ano de 2013 é o marco zero do golpe desfechado três anos depois.
O ano seguinte, 2014, foi o ano da Lava Jato, uma grande e complexa operação que teve como eixo central a criminalização dos governos do PT e o ataque a Lula. O PSDB não aceitou a derrota nas urnas, Aécio começou as hostilidades. A crise política jogou lenha na crise econômica, favorecendo o clima para o desfecho do golpe. A direita estava saudosa dos tempos de FHC, queria a volta do congelamento do salário mínimo, o aumento da idade de aposentadoria e das contribuições previdenciárias – exceto dos militares, é claro -, a destruição dos planos de carreira dos servidores públicos, exceto da cúpula do Judiciário, a redução dos direitos trabalhistas, o fim das regulamentações, a aceleração das privatizações, dentre outras medidas “saneadoras”. Resumindo: Estado mínimo, equilíbrio fiscal, liberdade para o capital explorar e lucrar mais.
Nos últimos cinco anos do ciclo Temer/Bolsonaro, a direita retomou com intensidade alucinante a desconstrução nacional iniciada por FHC. Bolsonaro, um obscuro político, despreparado, grosseiro, desmiolado entrou em cena e muito rapidamente destruiu a imagem do Brasil no mundo. Viramos chacota internacional. Foi humilhante sua submissão a Trump e aos interesses americanos, seus absurdos ataques à China e à Índia, que atrasaram a vinda da vacina, causando a morte de dezenas de milhares de brasileiros. Sua desastrada política externa impediu a consolidação dos BRICS e a criação do Novo Banco de Desenvolvimento. Esvaziou o BNDES, em nome do equilíbrio fiscal retirou R$ 100 bilhões de seus recursos. Bolsonaro é o palhaço que distrai o povo, enquanto o Guedes faz o trabalho sujo, acelera a agenda neoliberal.
O resultado é que nos últimos sete anos o PIB do país diminuiu 7,3%. A Lava Jato destruiu nossas grandes empreiteiras, inviabilizando a promissora indústria naval nascente. A queda da produção industrial está transformando o país num mero exportador de commodities. Não há investimentos públicos em infraestrutura, financiamentos com juros baixos, faltam recursos para a pesquisa científica. O resultado é o sucateamento tecnológico. A desvalorização, fatiamento, privatização e desnacionalização da Petrobras é um duro golpe que fere a espinha dorsal da maior cadeia de geração de valor e o polo tecnológico mais importante do país. Por detalhe, a Embraer, privatizada por FHC, não foi entregue à Boeing.
Parafraseando Saramago: o Brasil virou uma gigantesca jangada de pedra que boia à deriva pelos mares do mundo.