A resposta dos Governos do PT (2003-2015) à globalização neoliberal imposta na “era dos Fernandos” apontou para o reposicionamento nacional que ampliasse as relações externas até então centradas nas regiões do hemisfério norte. Foi por isso que a presença externa brasileira modificou-se substancialmente, resultado de inúmeras ações e repercussões adotadas no âmbito das relações Sul-Sul.
Exemplos disso foram as políticas governamentais direcionadas ao fortalecimento do setor produtivo nacional para torná-lo capaz de disputar os mercados mundiais. A partir daí, as críticas equivocadamente fundadas na ideia de preferência estatal pela formação de campeãs nacionais se transformaram numa ação articulada interna e externamente para impedir que o Brasil assumisse um protagonismo no cenário internacional.
Desde 2014, o lavajatismo conseguiu destruir parte significativa do setor produtivo e do emprego nacional, desmontando o ineditismo da atuação do capital estatal no formato transnacional. Até mesmo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) parlamentar foi constituída para atender aos ditames dos porta-vozes do dinheiro parasita e da mídia comercial vassala dos interesses forâneos.
Desfeita a fantasia no Brasil com a retirada do PT, a matriz neoliberal do decrescimento econômico foi retomada. O ano de 2021 poderá ser o sétimo sem que a economia nacional tenha conseguido recuperar o nível de atividade produtiva alcançada em 2014, um sinal claro de depressão, onde empresas nacionais fecham e firmas estrangeiras fogem do país.
Inegavelmente o Brasil destoa profundamente da trajetória de transformação do poder e soberania do Estado percebido em algumas nações durante o processo de globalização, pois não acompanhou as mudanças estratégicas radicais ocorridas desde a grande recessão de 2008, quando vários países deram ao Estado o papel de organizador e condutor de investimentos transnacionais.
São capitais estatais se movimentando como privados no mundo global. Com isso, o capital estatal voltou a recuperar o seu papel ativo na proteção e promoção do sistema produtivo, ao passo que as grandes corporações transnacionais privadas seguiram fortalecendo seus investimentos especulativos em aplicações financeiras e em bolsas.
Ao contrário da onda de privatizações predominante nos anos 1990, a década de 2010 registrou uma significativa e crescente materialidade da expansão do capital estatal.
Por um lado, o movimento foi de reestatização de diversas empresas privatizadas e, por outro lado, constata-se que os investimentos internacionais estão cada vez mais sob o comando do Estado. Os dois fatos são secundarizados pela mídia e pelos analistas econômicos no Brasil. Estas transformações do poder do Estado em pleno capitalismo do início do século 21 decorrem da escalada expressiva do capital estatal transnacional, que alterou profundamente as relações de propriedade no interior de cada país e da forma como elas se dão nas ações externas.
Uma verdadeira rede global de movimentação do capital estatal transnacional, até então pouco conhecida, revela o quanto as decisões internas de parte de um Estado impactam a estratégia de modernização e competitividade do sistema produtivo privado de outro país. Diante de alguns Estados comprometidos com parcerias de investimento transnacional, parcela da propriedade das grandes corporações privadas passou a ser transferida para o poder público.
Através de recursos do Estado, disponibilizados por operações como os fundos soberanos, entre outras possibilidades de investimento estatal, consolidou um novo horizonte de intervenção pública no interior da globalização. As informações disponíveis para um conjunto de mais de um milhão de empresas com participação de investimentos estatais no mundo mostram o quanto avançou o processo de transnacionalização do capital do Estado.
De certa forma, outra modalidade de capitalismo de Estado se fundamentou com o fortalecimento do sistema produtivo nacional patrocinado por organização sistemática da atuação transnacional do capital estatal. Exemplo disso tem sido a estratégia da Noruega que responde por parcelas crescentes dos fundos de investimentos estatais no mundo.
Mais recentemente, a China tem aumentado sua intervenção direta na compra de grandes corporações privadas transnacionais em vários países que não interromperam a privatização. Somando o total do fluxo dos investimentos estatais transnacionais, pode-se concluir que apenas dois países, a Noruega – que responde por 21%, e a China – que participa com quase 20%, alcançam cerca de 41% do montante de investimentos do Estado no mundo. Países como a Alemanha, Inglaterra e EUA compreendem apenas 10% do total do capital estatal transnacional investido, seguidos por Cingapura e Holanda.
Resumidamente, o capitalismo que invadiu o século 21 trazendo consigo a forma de gestão de ativos dominada pela governança corporativa de natureza privada tem sofrido alterações de rumo, sobretudo com o fracasso neoliberal desde a crise de 2008. De lá para cá, o Estado tem assumido diferentes estratégias que visam ampliar a taxa de retorno dos investimentos realizados no interior das fronteiras nacionais dos países.
Por isso, novos laços de propriedades públicas aparecem sob o controle do Estado no âmbito da globalização. Sobre isso, em especial, percebe-se como o Brasil atual enveredou realmente pelo caminho da roça, destoando das possibilidades abertas anteriormente em âmbito da soberania na economia global.
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