Preâmbulo
A economia brasileira (EB) apresentou alguns êxitos no período 1970-2010. Em linhas gerais, eles podem ser resumidos nos seguintes fatos: os investimentos em infraestrutura realizados pelos governos militares (1964-85), o plano de estabilização dos preços levado a cabo no governo Itamar Franco (o Plano Real, de 1993) e as políticas públicas em prol do crescimento econômico e de combate às iniquidades sociais (e regionais) verificadas nos governos do Partido dos Trabalhadores, em especial nos do ex-presidente Lula.
Todavia, infelizmente, esses êxitos não foram suficientes para alicerçar as bases para a fundação de um efetivo processo de desenvolvimento. Explicando: isso ocorreu porque esses êxitos foram basicamente tópicos e, em regra, episódicos. Ademais, e decisivamente, em simultâneo acumulamos em todo esse tempo graves problemas estruturais, todos eles, outra vez infelizmente, operando na contramão do estabelecimento de um modelo sustentado em prol do crescimento da renda e do emprego, do combate às referidas iniquidades (sociais e regionais) e de afirmação da nossa soberania nacional. Não fora suficiente, na década que se seguiu o que já era assaz problemático piorou ainda mais – e aceleradamente. É desses últimos anos que a reflexão que segue se ocupará.
Governos Dilma Rousseff (2011-2016)
A ex-presidente Dilma assume a presidência depois de um governo, o do senhor Lula da Silva, que chegou a alcançar 87% de aprovação popular. Ou seja: sua tarefa não era nada fácil, posto que ele fora bem sucedido tanto no plano econômico quanto no social e político. No que trata do primeiro aspecto, sabidamente ela não alcançou o mesmo sucesso. Para o exame dessa assertiva consideremos as médias de crescimento da renda nacional desde os governos Fernando Henrique Cardoso (FHC) e apenas o primeiro mandato da senhora Dilma Rousseff, posto que o segundo foi inteiramente contaminado pela ambiência política destrutiva então instaurada pelas forças sociais derrotadas na eleição de 2014; como segue: FHC (2,45%); Lula (4,05%); e, Dilma (2,3%).
Por outro lado, observado o conjunto dos seus aproximados seis anos de mandato, igualmente em termos médios anuais, tal desempenho se reduz para ‘apenas’ 1,5%. Porém, não fosse o boicote extremado que o seu governo sofreu provavelmente as taxas em questão teriam sido de aproximados 2,0% (para cima). É dizer: apesar dos pesares, conquanto menores que as do seu antecessor, elas tendiam a superar as verificadas nos governos posteriores.
Em termos sociais, em que pese os muitos e bem sucedidos programas levados adiante ou mesmo então criados, tendo em vista tão somente o “próxy” renda “per capita”, constata-se que também nesta área houve um passo atrás, notadamente face os já referidos governos Lula da Silva; tal qual antes, veja-se o que segue: FHC I e II (-8,2%); Lula I e II (+43%); e, Dilma I e II (+7,8%). Nesses termos, embora de maneira aproximativa, pode-se dizer que ao tempo que a economia recuou enquanto máquina de produção de riqueza real, a população passou a ficar mais ‘pobre’ relativamente aos dois governos pregressos.
Mas se parte da regressão econômica então promovida pode ser colocada na conta das forças oposicionistas (antipopulares e antinacionais que à época atuaram desabridamente provocando a ruptura institucional de 2016), ao se afastar da agenda dos anos anteriores, centrada nos investimentos públicos, nos programas de transferência de renda e na oferta de crédito à população da chamada ‘baixa renda’, a política econômica empreendida pela presidente Dilma não pode deixar de ser também responsabilizada.
Como sublinha a economista Laura Carvalho, ao encampar a chamada Agenda FIESP, de substituição do mercado interno pelo externo, a economia brasileira passou a ‘andar de lado’ (…). Para piorar, as questões estruturais já não enfrentadas ou pelo menos não enfrentadas devidamente pelos governos Lula continuaram em “stand by” (apesar de um ou outro ensaio de contraposição a eles, pelo governo em exame, em especial o relativo ao oligopólio bancário-financeiro existente no país), destacando-se aí o problema da gravosa desindustrialização, o das altas e abusivas taxas de juros praticadas no mercado nacional e o da estrutura tributária que penaliza apenas o consumo, a produção e os estratos sociais de menor poder aquisitivo.
O resultado disso tudo, dada a natureza conservadora, antipopular e sabuja dos interesses externos da sociedade brasileira, contribuiu sobremodo para a formação do caldo de cultura que desembocou na aludida ‘ruptura institucional de 2016’.
Governo Temer (2016-2019)
Se com a ex-presidente Dilma a economia brasileira começou a andar de lado, como antes anotado, a assunção da presidência da república pelo senhor Michel Temer e sua chamada Ponte para o Futuro, documento esse no qual constam as digitais do senhor Moreira Franco e da ‘casa grande’ brasileira, a vassalagem internacional diante dos EUA, a privatização e o entreguismo das riquezas nacionais, a destituição de direitos sociais e trabalhistas e o velho patrimonialismo passaram a dar o norte da condução dos destinos do país e, no caso em análise, da nossa economia – comandadas a partir dali pelos neoliberais Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn.
Vale lembrar que uma das ideias-chave desse governo era de pronto privatizar 75 empresas públicas. A lista incluía aeroportos, portos, rodovias e até a Casa da Moeda. No entanto, os escândalos de corrupção que à época vieram à tona foram de tal ordem que praticamente nada aconteceu. É dizer: a entrega dessas riquezas – construídas com dinheiro público e anunciadas com preços de liquidação ou de saldão – acabou não se dando como planejado. Mas não dá para negar que o governo Temer obteve uma grande vitória (dado o seu desiderato): a aprovação da sua proposta de reforma trabalhista (RT) – sob o argumento de que ela contribuiria para a retomada do crescimento econômico e da geração do emprego.
A realidade, no entanto, é que dela apenas adveio a retirada de direitos da população trabalhadora brasileira, bem como o estabelecimento de mais um óbice para a expansão do mercado interno. Mais precisamente: ao constranger a massa salarial essa RT jogou mais lenha na fogueira da recessão econômica e, passo seguinte, ao estreitar o chamado mercado de consumo, levou à quebradeira de diversas pequenas e médias empresas, posto elas estarem sujeitas ao jogo próprio dos mercados competitivos em que atuam – vale dizer: elas não têm como sustentar suas anteriores margens de lucro, como os oligopólios, quando a demanda declina. Em suma: o resultado de tal RT foi o empobrecimento ainda maior da população, a quebradeira de empresas pequenas e médias e o avanço do desemprego!
O PIB médio dos anos em questão, tomando os anos 2016-18, foi de -1,2%. Vale aqui observar que o da ex-presidente, com todos os problemas já referidos, foi de 2,3% (de 2011 a 2014); ao passo que o PIB “per capita” do período Temer foi de -3,1%. Ou seja, se no período anterior houve erros e dificuldades políticas, o novo governo expressa com clareza sua natureza plutocrata (a serviço apenas dos muito ricos, da banca financeira e de notável subserviência às grandes potências mundiais, em especial aos EUA) e o que a receita neoliberal suscita ou amplia: desemprego, quebradeiras, aviltamento salarial etc. Para tal, como se sabe, seu objetivo era destruir tudo o que havia de positividades nos anos anteriores, ressaltando-se aí a inexistência de qualquer veleidade de construção nacional e de inserção dos elos mais vulneráveis da sociedade na economia do país.
Enfim, a política de terra arrasada não foi um acaso – ela era/foi um projeto governamental! Nesses termos, pode-se dizer que houve naquele momento um ponto de inflexão ‘definitivo’, pois não apenas não se enfrentou os tantas vezes aludidos problemas estruturais, bem como se tratou, deliberadamente, de agravá-los em nome dos interesses econômicos dos (poucos) ‘de cima’.
A marcha batida da radicalização da subserviência internacional, da destituição de direitos sociais e trabalhistas e de consagração dos interesses da ‘casa grande’ ganha maior robustez com a presidência do senhor Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes. O caráter plutocrata fica evidente logo no inicio desse governo com a simultânea criação do super Ministério da Economia e a eliminação do Ministério do Trabalho e Emprego. Para bom entendedor meia palavra basta: ao capital tudo e ao trabalho (emprego e salário) nada. Os ataques sistemáticos à Justiça do Trabalho demonstram – sem espaço para dúvida – a natureza de classe do governo atual presidente. Evidencia-se assim que ele que tanto invocava e invoca Jesus e Deus na realidade não tem qualquer comiseração pelos ‘pobres’ e desvalidos do país. Nesses termos, enfim, suas recorrências religiosas não passam de meros e vazios discursos políticos.
Dando seguimento ao governo Temer, o presidente Bolsonaro aprovou mais uma reforma contra os trabalhadores, a previdenciária. Resultado: menos direitos, como expresso no maior tempo de contribuição, redução do valor das pensões e aposentadorias etc. E como antes, apesar de todo apoio midiático, sem contribuir absolutamente em nada para o soerguimento da economia brasileira, dada a injeção ‘a menor’ de recursos na economia doméstica.
Mais recentemente outra cereja foi colocada no bolo dos muito ricos: a chamada independência do Banco Central. Com ela o país perdeu mais um instrumento de política pública, a monetária (que abarca aspectos nevrálgicos para os destinos nacionais como o são os do crédito e dos juros, por exemplo), agora sob mãos privadas – leia-se: dos grandes detentores de riqueza nacional, principalmente dos bancos privados. Enfim: o patrimonialismo plutocrata segue firme e vitorioso!
Por conseguinte, igualmente os processos de entrega da riqueza nacional aos muito ricos e aos estrangeiros mostram que a retórica patriótica não adere à realidade. Ou seja: tal retórica não passa de mais um discurso vazio – que, no entanto, ainda engana muitos incautos.
Enquanto isso, o lado real da economia segue em marcha batida rumo ao abismo. Ilustrando: o PIB dos últimos dois anos ‘andou’ na faixa de apenas 1%; a dívida pública vem explodindo, apesar da queda da SELIC – ela foi de 3,877 trilhões em 2018; alcançou 4,249 trilhões em 2019; e, em setembro de 2020, 4,412 trilhões de reais; as pressões inflacionárias estão à vista de todos (a botija de gás de cozinha está começando a ser vendida no crediário etc.); o câmbio relativo ao dólar tem estado na ordem de cinco e o euro a seis reais – o que penaliza o conjunto da economia brasileira, com a exceção dos exportadores do Fazendão Brasil: grãos, carnes e minérios; a compressão salarial, o desemprego e a informalidade da mão de obra estão em franca expansão; trilionárias e bilionárias anistias fiscais (respectivamente, para banqueiros e mais recentemente para a bilionária AMBEV), apesar da recorrente grita contra o défict público, continuam sendo concedidas, bem como recursos desperdiçados com gastos absolutamente improcedentes (da cloroquina ao leite condensado…) etc.
Nesses termos, não apenas não se está enfrentando os problemas estruturais tantas vezes referidos neste e no meu artigo anterior, também aqui publicado, como eles estão sendo seriamente agravados. A realidade é que a política econômica em curso é definitivamente de terra arrasada e, neste contexto, a perspectiva é clara: poucos ‘sobreviverão’. No momento desfrutam dessa condição apenas a turma do Fazendão, a dos bancos e a dos (poucos) que possuem rendimentos e/ou riqueza passível de valorização especulativa. Nesse cenário, a pergunta que fica é a seguinte: até quando essa desconstrução será possível (?). Ainda quanto ao futuro sobressai que quando voltarem a existir as condições políticas para se começar a reverter tal destruição os governantes de então encontrarão uma situação, “mutatis mutandi”, parecida com a de Getúlio Vargas em 1930, pois o país terá regredido nesses últimos anos, em especial nos últimos cinco, em cerca de 90…
Por fim, assinalo que enquanto cidadão preocupado com os interesses da nação e das maiorias populacionais espero que a apontada retomada logo aconteça, assim como o processo de desalienação dos brasileiros iludidos com alusões religiosas e patrióticas discursivo-manipuladoras da sua boa fé e despolitização, posto que não fora bastante o processo de desestruturação em curso também desarticula as próprias famílias com o desemprego, com o arrocho salarial, com a inflação (que rebaixa o valor real dos rendimentos dos assalariados), com o abandono das áreas da educação e da saúde e, principalmente, com a desesperança – da qual, aliás, se aproveitam tantos charlatães (mestres em desviar a atenção da população dos seus reais e terrenos problemas)!