No último dia 29 de março tivemos uma expressiva mudança ministerial e também em outros cargos de primeiro escalão federal. Em alguns casos, uma verdadeira dança das cadeiras, com mudanças de postos. Na área do Ministério de Relações Exteriores, finalmente caiu o ministro Ernesto Araújo, na semana anterior à saída em embate direto com o Congresso (já com sua saída decidida, optou por sair “trocando chumbo” com a presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, senadora Kátia Abreu). Em seu lugar, entrou o também embaixador Carlos Alberto França.

Semelhante a Ernesto Araújo, o embaixador França tem pouca experiência, apesar de ter passado por cargos de assessoria nas embaixadas do Brasil em La Paz, Washington e Assunção. Aparentemente, sua especialidade é o cerimonial do Palácio do Planalto e do Itamaraty, pelos quais passou nos governos Fernando Henrique, Dilma, Temer e Bolsonaro. Nos últimos tempos, servia como assessor do presidente Bolsonaro. Diferente do antecessor, opta por operar com perfil baixo, sem buscar holofotes, e com civilidade e respeito, o que pode de alguma forma ajudar. A grande pergunta aqui é: tem o embaixador França capacidade de consertar a tragédia que foi a administração de Araújo no Itamaraty?

E aqui, independentemente de alguma melhora no nível das relações pessoais e do “ganho de cordialidade”, sempre importante na diplomacia – seguramente o novo chanceler não deve se orgulhar da posição de “pária” que o Brasil assumiu no cenário diplomático internacional –, a resposta parece ser, de antemão, um não, infelizmente. Isso é explicado basicamente por dois motivos.

O primeiro é que, apesar da mudança de estilo, no mérito não haverá grande diferença, já que o novo ministro se alinha com os pilares da política externa de Bolsonaro (não o Jair, que parece não ter nenhuma ideia muito particular nessa área, mas o deputado Eduardo, esse sim ativo e buscando o protagonismo nas Relações Exteriores). O segundo é que, exatamente por isso, pouco se deve esperar em três temas primordiais para a diplomacia brasileira nesse próximo período (e, talvez, por muitos anos).

O primeiro diz respeito à questão ambiental. Se já havia dúvidas anteriores à posse sobre o posicionamento do governo Bolsonaro em relação à questão ambiental e ao efetivo compromisso do Brasil com os acordos climáticos no nível internacional (vale lembrar que, no começo do governo, Bolsonaro falava em retirar o Brasil do Acordo de Paris, sobre clima), essas dúvidas se dissiparam com a Amazônia e o Pantanal queimando nos dois últimos invernos (2019 e 2020), nos primeiros dois anos do governo Bolsonaro. A preocupação se estende a todos os países que colocam a questão climática em destaque na sua pauta diplomática, em particular os países europeus e, a partir da posse do presidente Biden, os EUA.

Isso evidentemente vem prejudicando a reputação internacional do Brasil e travando inclusive acordos comerciais com negociação concluída, mas até aqui não ratificados, como os acordos entre Mercosul e União Europeia, e Mercosul e EFTA (grupo de países europeus fora da União Europeia: Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia). A partir da mudança de administração nos EUA, deve passar a atingir outras áreas, com a má vontade dos EUA em relação à prática pouco efetiva do Brasil em relação às preocupações ambientais e sociais, especialmente em áreas de reservas no país, quando não de hostilidade ativa às populações originárias e tradicionais (como ribeirinhos e quilombolas), e às organizações e militantes sociais e ambientais. Assim, seguindo o atual governo brasileiro com suas posições nessa área, fica difícil administrar essa questão no plano diplomático.

O segundo tema diz respeito ao futuro do Mercosul, da questão da integração regional e, em particular, às relações com a Argentina, nosso principal vizinho do ponto de vista comercial e geopolítico.

Para essas questões regionais andarem, o Brasil, como principal economia e por sua importante situação na geopolítica da região, deveria cumprir um papel de protagonista. Mas até aqui, em especial nas suas relações com a Argentina, mas não só com esse país (vale observar, por exemplo, o triste papel que o Brasil acabou cumprindo em respaldar a ruptura institucional na Bolívia, e agora fica em situação complicada para negociar com o novo governo eleito, um sucessor evidente do governo afastado anteriormente), o governo brasileiro e sua diplomacia apresentam enormes dificuldades em conversar. Até porque não parecem ter objetivos claros, o que torna a conversa difícil, ao mesmo tempo em que a Argentina parece querer aproveitar esse momento de indefinição brasileira para retomar um certo protagonismo regional. Aqui também a mudança de ministro parece não influenciar muito, porque os atuais “ideólogos” da política externa brasileira não parecem ter, para as relações com a Argentina, nada muito diferente do que uma torcida para que o atual governo peronista daquele país se vá rapidamente.

Finalmente, e não menos importante, está o tema das relações com a China (e, por tabela, com os países BRICS). Esse tema, hoje, envolve dois pontos muito sensíveis: vacinas e 5G. Mas há que lembrar que a China é o principal parceiro comercial e o principal investidor no Brasil nos últimos anos. E que nosso agronegócio e nossas mineradoras são extremamente dependentes da China.

O tema das vacinas acaba envolvendo também os outros países BRICS. Rússia é produtora de vacinas que só no desespero acabaram aceitas para imunização no Brasil. Índia é produtora de vacinas e insumos e, junto com a África do Sul, o outro membro dos BRICS, defende quebra de patentes na OMC para a produção de vacinas, posição que o Brasil em outros momentos defenderia, mas que hoje não adota, pelo alinhamento com os EUA desde a gestão Trump. Deve-se lembrar que a tal “troca de chumbo” entre o ex-ministro Araújo e a senadora Kátia envolveu exatamente a questão do 5G chinês.

Assim, esse tripé parece até aqui de difícil equacionamento no governo Bolsonaro, seja qual for o ministro. E, sem solução para eles, vamos seguir patinando, de forma mais ou menos cordata.

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