Chega a ser comovente o esforço de analistas políticos, jornalistas e da mídia em geral em posicionar a dupla Jair Bolsonaro e Luís Inácio Lula da Silva como representantes dos extremos do espectro político nacional. Enquanto a pecha de extremista cai como uma luva no atual presidente, apresentar Lula como um político de extrema esquerda não faz o menor sentido e chega a ser má fé. Nem ele, nem o PT, são exemplos de radicalismo. De fato, nem o PSOL pode ser considerado atualmente um partido radical. Estão mais à esquerda siglas como o PCO e o PSTU.
Bolsonaro, não obstante o apoio que tem buscado no Centrão, passou por diversos partidos ao longo de sua trajetória medíocre como parlamentar, e chegou à presidência na carona do até então nanico PSL. É, sim, o mais expressivo – e deletério – político de extrema direita no Brasil.
Lula fundou o PT e até hoje permanece como a maior liderança do partido. Durante seus dois mandatos, recebeu o apoio de diversas legendas, incluindo o PMDB, que teve a vice-presidência no Governo Dilma. Sua primeira equipe econômica tinha técnicos notoriamente conhecidos por rezarem por uma cartilha muito mais próxima do PSDB do que do PT, a começar pelo então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que abdicou do mandato de deputado federal eleito pelo PSDB para assumir a liderança do órgão.
Enquanto esteve no poder, Lula manteve diálogo constante com banqueiros, industriais, representantes do agronegócio, evangélicos, militares e outros segmentos da sociedade. Nunca foi um radical, desde os tempos de sindicalista. O discurso do “nós contra eles” servia apenas para consumo externo. Salvo algum acidente de percurso, seu nome estará na urna eletrônica nas eleições do ano que vem.
Apesar da forte rejeição, Lula tem certamente uma vantagem em relação a Bolsonaro, que buscará a reeleição: seu período na presidência, principalmente o segundo mandato, é lembrado pela população como uma época de prosperidade e bonança econômica. Ao contrário do atual presidente, que terá que fazer mágica para explicar as – até agora – 300 mil mortes causadas pela condução desastrosa da crise sanitária e os 14 milhões de desempregados.
É diante desse quadro que a centro-direita, PSDB e DEM à frente, se debate em busca de um nome capaz de chegar ao segundo turno. O escolhido terá que quebrar as resistências tanto dos que rejeitam o PT como daqueles que não votarão em Bolsonaro de forma alguma.
Hoje, despontam como pré-candidatos tucanos os governadores João Dória (SP) e Eduardo Leite (RS). Teoricamente, disputarão prévias no segundo semestre. Dória utiliza-se de um marketing agressivo, confrontando abertamente Bolsonaro e apresentando-se como o salvador da pátria que comandou o início da vacinação contra a Covid-19 no país. Já o jovem político gaúcho aposta no discurso da gestão e da renovação da política nacional, e iniciou uma costura partidária interna para viabilizar seu nome. A conferir. Dória é considerado “paulista” demais, enquanto Eduardo Leite tem o desafio de se tornar conhecido nacionalmente.
No DEM, há o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, demitido por Bolsonaro um ano atrás, por pregar o isolamento social como forma de enfrentar a pandemia. Nacionalmente conhecido, faria um bom contraponto ao presidente. Seu ponto fraco é carecer de maior densidade eleitoral. Vale lembrar ainda que chegou ao governo em meio a denúncias de fraude em licitação e caixa dois.
Temos, ainda, o eternamente indeciso Luciano Huck. Não lhe faltam carisma, popularidade e apoio de nomes proeminentes, como o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No entanto, o incrível Huck parece não ter disposição suficiente para encarar o pesado jogo de uma campanha presidencial.
Se Huck ainda é dúvida, parece claro já nos dias atuais que o ex-ministro Sérgio Moro é carta fora do baralho. Depois de deixar a magistratura para embarcar na canoa furada de Bolsonaro, foi humilhado publicamente diversas vezes pelo capitão e saiu pela porta dos fundos. Encontrou abrigo na iniciativa privada e agora dedica-se a prestar consultoria às mesmas empresas que prejudicou quando estava à frente da Operação Lava Jato. Isso sem contar a suspeita – hoje mais uma certeza – de que atuou parcialmente no julgamento de Lula e beneficiou-se disso (pelo menos essa era a ideia) com a vitória do capitão.
Correndo na mesma raia da centro-esquerda de Lula e do PT, teremos certamente Ciro Gomes, pelo PDT. O político cearense tem buscado ampliar as possibilidades de aliança, e já não descartaria nem mesmo uma aliança com o DEM. Sua tarefa, porém, é ingrata. Tem que tirar votos de Lula e conquistar a confiança do eleitorado de centro-direita. Missão praticamente impossível para quem é conhecido pelo destempero verbal e por historicamente não conseguir chegar aos 20% de votos que poderiam levá-lo ao segundo turno. Teve 10,97% em 1998, 11,97% em 2002 e 12,47% em 2018. Corre o risco de terminar com votação inexpressiva, como aconteceu com Marina Silva e Geraldo Alckmin.
Apesar do peso do cargo e da caneta presidencial, Bolsonaro, por seu governo errático, tende a ficar fora do segundo turno. Ele é um governante incidental, expressão cunhada pelo cientista político Sérgio Abranches para definir políticos que, em condições normais de temperatura e pressão, nunca chegariam ao poder. Ele, Donald Trump, Boris Johnson, Viktor Órban e outros projetos de tiranetes, são fruto de ressentimentos, medos e rejeição. Acenam com uma volta a um passado idílico e próspero que nunca houve, valendo-se do medo e da frustação de parcelas da sociedade que perderam empregos e poder aquisitivo, e veem com insegurança as rápidas mudanças que acontecem nos seus países e no mundo. Uma vez eleitos, não conseguem entregar o que prometeram, pela própria incapacidade política e gerencial.
Por isso, no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, teremos mais uma vez Lula, pela centro-esquerda, e o candidato da centro-direita. Talvez um nome que ainda não tenha despontado no cenário nacional.
Lula virá com seu discurso tradicional, de diminuição de desigualdades, apregoará aos quatro ventos que foi vítima de injustiça e perseguição, lembrará o advento da nova classe média ocorrido em seu segundo governo e esconderá Dilma Rousseff o mais que puder.
O candidato da centro-direita vai falar em responsabilidade fiscal, privatizações, prometer um Estado mais eficiente e enxuto. Terá o apoio do mercado financeiro, dos industriais e dos setores mais conservadores da classe média.
E as pautas caras a Bolsonaro e seus fanáticos seguidores, de costumes, posse e porte de armas para a população, retirada de radares nas estradas, liberação de mineração em reservas indígenas e flexibilização de licenças ambientais, entre outras, irão para onde nunca deveriam ter saído: a lata de lixo da História.