Nas origens certas palavras faziam magias, as palavras curavam, eram ensalmos, daí o “Livro dos Salmos”. As palavras aliviam, emocionam, excitam, às vezes são enganadoras e cruéis. Tem os que desejam amarrar as palavras às suas origens, não sabem que as palavras têm vida, sofrem metamorfoses, vibram, pulsam. A magia das palavras está no canto, encanto, sorrisos e prantos. Às vezes são torcidas e distorcidas, já outras podem transpor o limite do papel e entrar na vida de quem lê. E assim se cria um vínculo de mistério e beleza, pois com as palavras se contam histórias, se briga e se faz as pazes.

A magia das palavras está numa simples piada, daí a piada ser o modelo das formações do inconsciente como o sonho e o sintoma. O poeta alemão Henrich Heine escreveu: “Quando for velho eu só desejo a tranquilidade de uma casinha na montanha, com um pouco de pão e manteiga, para viver a paz da natureza. Escutaria os pássaros e por uma janela gostaria de ver as árvores distantes, onde estivesse dependurado por uma corda, cada um dos meus inimigos”. O que escrevi só é uma piada para quem sorriu, Heine foi um crítico feroz do prussianismo, o que despertou o ódio dos fanáticos. Quem odiou Heine, hoje poderia odiar os cientistas, artistas, negros, índios, pobres, esquerdistas, os sonhadores de um amanhã. Aliás, uma das mais famosas frases de Heine, que antecipou o nazismo foi: “Onde se queimam livros, acabam se queimando pessoas”. Os que odeiam o conhecimento atacam a vida.

A magia das palavras é o que cada um pode encontrar; lembro o ex-sargento Steinlauf falando à Primo Levi em Auschwitz, ao vê-lo evitar o banho: “Devemos nos lavar sim, ainda que sem sabão, com essa água suja e usando o casaco como toalha. Devemos engraxar os sapatos, não porque assim reza o regulamento, e sim por dignidade e alinho. Devemos marchar eretos, sem arrastar os pés, não em homenagem à disciplina prussiana, e sim para continuarmos vivos, para não começarmos a morrer”. Já memorizei palavras essenciais para Levi viver mais de 40 anos, após o campo de concentração, e escrever dezenas de livros como “É isso um homem?”.

A magia das palavras está hoje na discussão da palavra genocida. Já li nas redes tanto que o presidente é genocida, como que não é. A palavra genocídio nasce em 1944 através do advogado polonês judeu Raphael Lemkin para definir o crime nazista e outros semelhantes. Em 1948 as Nações Unidas definem na “Convenção para a Prevenção e Punição de crimes de Genocídio”, ampliando seus sentidos como o ponto c): “Impor deliberadamente ao grupo condições de vida que possam causar sua destruição física total ou parcial”. Genocídio, concluem: “são atos cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial, ou religioso”.

Brasileiros matando brasileiros não é novidade na História, é só perguntar aos índios, negros, pobres e rebeldes. O país está comandado pelas Forças Desalmadas, é a turma do Robin Hood ao contrário: tira dos mais pobres para dar aos mais ricos. As palavras dos altos poderes perderam o crédito no mundo, não confiam mais nesse país. Entretanto, um dia será recuperado a potência da palavra entusiasmo para impedir mais destruição e a morte. Com paciência ocorre a recuperação da fértil imaginação onde a fantasia e a poesia dançam. Aí as magias voltarão, a magia do abraço, a magia do amor, a magia das conversas e os sonhos para construir o amanhã.

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Crônica publicada originalmente no Facebook do autor.

Sobre o tema, leia o artigo “A invenção da palavra genocídio e Bolsonaro”, de Halley Margon