Em reunião no fim de maio, FHC e Lula criticaram corte tarifário no Mercosul, defendido por Paulo Guedes. (Reprodução/Twitter: @lulaoficial).

O debate recente sobre a redução da tarifa externa comum (TEC) do Mercosul explicita uma discussão que é muito mais abrangente do que a TEC em si. De fato, está em jogo a definição de projetos de país para o Brasil em particular, e o bloco sul-americano em geral.

Em um primeiro momento, o debate opunha fortemente, dentro do Mercosul, Brasil e Argentina, ou mais abertamente o ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, com posições mais fortes de liberalização comercial, transformadas em um posicionamento mais favorável a uma redução tarifária mais intensa nesse momento, e o presidente argentino Alberto Fernández.

Com o andar da carruagem, hoje se abriu um leque bem mais complexo. A posição argentina de uma redução mais comedida da TEC é apoiada no interior do Mercosul pelo Paraguai, mas também por importantes setores políticos no Brasil, como aponta a nota dos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso. Além disso, o tensionamento que pode causar inclusive o rompimento do Mercosul, que o ministro Guedes parece disposto a levar adiante neste processo de negociação, provocou alertas importantes de setores do próprio governo brasileiro, como o Ministério de Relações Exteriores, e de setores empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Antes de mais nada, é preciso pensar o que é uma tarifa externa. Uma tarifa externa é uma cobrança sobre a importação que é utilizada para favorecer o produtor doméstico. Assim, uma tarifa visa proteger a produção nacional dos que produzem no exterior. O objetivo, na maioria das vezes, é defender as indústrias e setores que ainda estão se estruturando, ou que podem ser atingidos fortemente, e por diversos motivos, pela produção de países que já desenvolveram seus setores industriais e, portanto, não precisam mais de proteção. Existe, assim, na ideia de tarifa uma ideia de proteção de indústrias nascentes ou contra a desindustrialização. As tarifas no mundo todo (e na área do Mercosul também) já foram bastante reduzidas desde o início do ciclo de liberalização comercial dos anos 1990, e hoje nem são mais o principal elemento de defesa comercial.

A TEC, uma tarifa externa comum, além de um mecanismo de defesa, é um mecanismo de integração. A TEC indica a transição do Mercosul de uma área de livre-comércio para uma união alfandegária, isto é, a área do Mercosul passaria a ser aberta comercialmente ao conjunto dos países do Mercosul e defendida em relação aos demais países. Ou seja, para além de uma questão comercial, existia um projeto de integração produtiva que ia muito além da questão comercial, e envolveria a integração das cadeias produtivas da região. Historicamente, pode-se argumentar que a TEC sempre foi repleta de exceções (ou “perfurações”, como tratam os especialistas no tema).

Assim, ao pensar a discussão da TEC, que é o que está em jogo nesse momento, não se está pensando apenas em mais ou menos liberalização comercial, mas está em jogo uma discussão profunda sobre estratégia de desenvolvimento. Quem pensa que indústria ainda é importante dentro de uma estratégia futura de desenvolvimento não pode abrir mão do mecanismo de defesa comercial e de construção de estratégia de futuro. Quem pensa que a integração é fundamental para pensar o futuro da região e, do ponto de vista econômico, até para ganhar força e musculatura para se inserir no mercado internacional, não pode abrir mão do processo de integração regional, da TEC.

Por outro lado, quem pensa no Brasil do futuro como um país agrário-exportador, ou minero-exportador, não vê sentido em proteger seus mercados e o processo de integração regional com tarifas, ou tarifas comuns. Talvez essa seja a posição do ministro Paulo Guedes e dos que lhe são mais próximos.

O mesmo raciocínio pode se aplicar hoje aos processos de liberalização comercial aos quais o ministro Guedes gostaria de dar celeridade, como os Acordos Mercosul-União Europeia, ou Mercosul-EFTA (Área Europeia de Livre Comércio, incluindo Suíça, Liechtenstein, Noruega e Finlândia, países europeus que não são da União Europeia). Eles impulsionam ainda mais uma integração econômica de natureza colonial, na qual os países do Mercosul exportam produtos primários e importam bens manufaturados mais sofisticados.

Assim, o que está em jogo nessa discussão não é só a tarifa externa comum do Mercosul, ou a ampliação da liberalização comercial. O que está em jogo é uma reflexão sobre o desenvolvimento futuro do nosso país, o Brasil, e dos demais países do Mercosul.

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