
CCBA – “Muito romântico” e a arte de enxergar o invisível
Sofre mais quem não é capaz de amar o invisível, não suporta a perda, não consegue se desapegar. Amar o invisível hoje é um imperativo devido à pandemia, em que a gente não vê os queridos amigos e familiares. Diante desse sofrimento da visão, do presencial, convivemos no mundo virtual com imaginação. Um exemplo da dificuldade em amar o invisível ocorreu com Roland Barthes, conhecido escritor, crítico e semiólogo francês. Quando morreu sua mãe, ficou desconsolado, e diante dos amigos que tentavam animá-lo, ele dizia: “Não entendes que não a verei mais?”. Ele precisou escrever um diário de luto para conversar com sua mãe e sofreu tanto que em um ano estava morto. Amar o invisível não é só uma questão individual, Freud escreveu que na religião de Moisés, o fato de que Deus não se pudesse ver era um “progresso da espiritualidade”. Outro tema importante do invisível é a utopia.
Os poetas foram os que melhor escreveram sobre o amor, como no “Cântico dos Cânticos”: O amor é forte como a morte. Já nosso poeta Mário Quintana escreveu em “Carreto”, poema de uma só frase: “Amar é mudar a alma de casa”. Alma em grego é psikê, daí veio a palavra Psicanálise – análise da alma. Amar é mudar a alma de casa, pois parte da alma de quem ama se dirige para seu amor. O amor é invisível ao ser expressão da alma, e como parte dela se transfere para outra pessoa.
A psicanalista francesa Elsa Cayat dedicou-se ao tema do amor, e a conheci por uma transferência à primeira leitura. Nos primeiros dias de janeiro de 2015 ocorreu o atentado terrorista ao semanário de humor “Charlie Hebdo”, em Paris, onde ela foi assassinada. Busquei saber quem era, pois me chamou atenção o fato de uma analista integrar a direção do “Charlie”. Na sua última entrevista perguntaram a ela se era possível basear a vida em alguém: “Esse é todo o problema do amor”. A vida deve ser apoiada em si mesmo, e daí abrir-se ao amor. Quando alguém pensa ser o amor a solução para toda sua vida, revela sua fragilidade. São os que não aprendem a amar a invisibilidade, precisam de provas constantes de amor, pois se amam pouco por não se sentirem bem amados no passado.
O amor não pode ser senão um desejo, e é possível ser feliz no amor, em especial quando cada um tem sua vida própria. As escolhas no amor se encontram nas raízes da própria história, um passado esquecido, que se reativa na nova relação. Outra questão central nas relações amorosas é o da confiança, a dificuldade em confiar e Cayat disse: “Pode-se amar tendo uma confiança relativa. O outro existe, é um ser humano como a gente, mas diferente. A confiança que se precisa aprender é a confiança em si”. Aliás, os que tem confiança em si, conseguem viver só, e convivem com seus amores mantendo a alegria de viver.
As provas de amor excitam, revelam sintonia, e cantam as músicas do encontro. O triste no amor é o tédio, o desânimo, onde não se geram mais espantos. Pessoas inseguras não acreditam no amor sem provas constantes, precisam ver para crer, e aí as tensões são constantes. A dependência da visibilidade das provas dificulta o amor, empobrece a vida. No amor a escolha afetiva tem razões enraizadas na própria história. A escolha ressurge do passado que se reativa na nova relação.
O amor depende de quanto se foi amado, mas também se aprende a amar, e viver o aumento da capacidade amorosa é emocionante. Portanto, manter as chamas do amor é um desafio maior que conquistar o Everest. Já os franceses costumam dizer: “O amor é uma loteria… não, não, a loteria se pode ganhar”. ( Publicado dia 23.07.2021 no facebook do autor)
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