Colheita de café na Tijuca, em 1835. Pintura de Johann Moritz Rugendas.

A traços largos, a economia brasileira dos ‘nossos’ primeiros trezentos anos pós-Cabral é marcada pela atividade de extração e embarque de bens primários rumo à metrópole portuguesa – aliás, extrair e embarcá-los também era o intento de todos os corsários que aqui aportavam, com a exceção dos franceses de Villegaignon (1555). Mas como não poderia deixar de ser essa atividade exigia uma outra: a agrícola. Não foi à toa que diante do pequeno contingente de portugueses, a mão de obra indígena logo tenha sido demandada – e para ambas as atividades; e.g., as extrativas e as produtivas propriamente ditas. Ou seja: apesar dos modestos avanços populacionais desses três primeiros séculos era inevitável estabelecer alguma produção agrícola (e, é trivial, a oferta de alguns serviços). Enfim, não dava para viver dependendo apenas da importação ultramarina, em especial de gêneros alimentícios – em sua grande maioria perecíveis.

Isto posto, dadas as dificuldades em tornar os índios trabalhadores servis, seja porque eles não eram afeitos a atividades sedentárias, seja porque havia a oposição dos jesuítas a que eles fossem submetidos a esse regime, a escravização de negros africanos foi a ‘solução’ encontrada. Ela atesta dois fatos: de um lado, a falta de braços indígenas e portugueses para as tarefas cotidianas de manutenção da vida; e, de outro, ao lado do ‘clássico’ extrativismo, a necessidade da indispensável produção agrícola de alimentos. Também como passar do tempo, adicione-se que essa mesma produção experimentou alguma diversificação e verticalização (vide, à guisa de exemplo, a produção do açúcar e, passo seguinte, de aguardente). Por fim, nessa estruturação societário-econômica, registre-se que houve ainda nesses anos alguma ampliação do comércio e da oferta de serviços.

Por fim, além de se inscrever no quadro geral acima esboçado, o Rio assumiu os papéis de fortaleza militar do Atlântico, de lugar de paragem de navios e de capital ‘federal’ (a partir de 1763) e, assim sendo, sua economia acabou apresentando certa importância no contexto nacional.

A economia carioca a partir de 1800

Mas foi mesmo com a chegada da família real no início do século XIX que o tecido social carioca apresenta complexidade digna de nota. Isso se mostra evidente, por exemplo, no aumento da demanda por novas profissões e ofícios (pedreiros, ladrilheiros, pintores, alfaiates, costureiros, artistas, literatos, médicos, advogados etc.), dadas as muitas obras levadas então adiante. Na mesma linha, aponte-se a expansão do comércio e dos serviços.

Outra expressão do quanto sua vida econômica avançou no século retrasado pode ser apreendida no aumento das atividades portuárias mercantis. Também merece destaque os primeiros passos efetuados pela indústria manufatureira. Na composição desse quadro, observe-se ainda o relativo salto populacional e a importância ‘a maior’ da agricultura mercantil de alimentos. Adicione-se igualmente a crescente presença dos referidos africanos na vida carioca nas mais variadas ocupações – e não apenas nas agrícolas (CASTRO 2003). Em suma: verifica-se nesse tempo histórico importante aumento populacional e avanço da anotada complexidade – e, é trivial, tudo isso acompanhado da acelerada mercantilização da economia.

Mas se o século retrasado já prenunciava o que estava em marcha, o subsequente foi decisivo para a produção de um Rio de Janeiro não somente urbano e espacialmente disseminado – e sobretudo e definitivamente complexo na sua estruturação econômica. De outra forma: se no século XIX o Rio evidenciava alguma complexidade econômica em relação ao anterior, o XX sublinhou, dentre outras coisas: sua capitalidade nacional, suas instituições públicas, sua expansão industrial, suas atividades comerciais e portuárias, seus avanços na oferta de serviços, suas muitas obras públicas e privadas etc. – esse processo se estendeu até os anos 1930.

Ademais, registre-se que apesar dos notáveis avanços da economia paulista, a partir do final do século XIX, a que foi levada a cabo na fração territorial hoje denominada estado fluminense continuou sendo a mais importante do país pelo menos até os 1920’s. E mais: que mesmo quando a economia paulista a ultrapassa, aliás, de longe, nos 1930’, ela mantém a inconteste segunda colocação no “ranking” nacional – até os dias de hoje. A realidade é que o projeto de modernização do Brasil, capitaneado no plano econômico pela industrialização nacional, conquanto tenha tido em São Paulo seu espaço polar, não deixou de contemplar o Rio (quer a cidade e, em parte, quer o estado) – e não somente porque a capital continuava sediada na cidade até 1960.

Explicando: tenha-se em conta que apesar da aludida expansão e centralidade paulista era pelo porto do Rio que parte importante da produção cafeeira continuava sendo escoada para o exterior; e, não apenas, posto que parte da produção industrial exportada por aquele estado para o restante do país, via navegação costeira, tinha o Rio como ponto de partida – isso ocorreu pelo menos até os anos 1940. Também vale mencionar que a Estrada de Ferro Central do Brasil, que ligava Rio e São Paulo, continuou decisiva para o transporte da produção industrial paulista até os mesmos anos 1940. Além disso, o centro comercial e financeiro do Rio continuou sendo o mais importante do país até o decênio ora referido…

Por outro lado, a própria economia carioca avançava em termos industriais, notadamente na produção de bens de consumo não duráveis e de alguns (poucos) duráveis. O extraordinário ciclo da industrialização pesada dos anos 1950, especialmente o verificado no bojo do Plano de Metas do Presidente Juscelino (1956-60), trouxe novos impulsos para a economia carioca – assim como para praticamente todo o país. Tanto que foi então alcançado no país uma espécie de pleno emprego (keynesiano), alhures e também no Rio.

Sabidamente houve importante arrefecimento desse dinamismo na entrada dos 1960’s por conta da crise geral da economia brasileira, arrefecimento esse ampliado pela transferência da capital federal para Brasília nesse mesmo ano – dada a saída de empresas e instituições e, por conseguinte, também de postos de trabalho e renda. Mas na esteira da retomada do crescimento econômico brasileiro (1968-73), bem como na sua relativa sustentação até o final dos anos 1970, o estado como um todo e, em especial, a cidade do Rio de Janeiro, em que pese os lamentos pela perda da capital etc., outra vez viu avançar positivamente a geração de renda e a criação de postos de trabalho.

Na entrada dos anos 1980, o que ficara quase secularmente escondido, a decadência estrutural da economia do Rio, cidade e estado, veio finalmente à tona. A realidade é que a emergência da moderna economia paulista ao final do século XIX e a sua consolidação no século XX já anunciavam as fragilidades econômicas do Rio – mais uma vez, da cidade e do estado. E essa situação ficou definitivamente desvelada com a crise do padrão nacional de desenvolvimento centrado na industrialização e no Estado que não fora suficiente ocorreu em contexto de pronunciadas transformações do capitalismo mundial. (Coutinho, 1992; Cardoso de Mello; e, Braga, 1993).

Culpas escapistas foram então distribuídas na linha de que ‘o inferno são os outros’ (cf. J. P. Sartre) – e elas equivocadas, apequenadas e malevolamente foram direcionadas principalmente aos governantes daquela época. Mas não dava para negar: o discurso hegemônico verbalizado na cidade e ‘vendido’ para o país, o do Rio Maravilha, não mais se sustentava. Afinal, a crise era estrutural e fora longevamente construída. Com ela, a economia carioca, industrialmente frágil, notadamente quando sua estrutura era comparada com a existente em São Paulo, e tão tributária de recursos públicos estatais federais, foi severa e dramaticamente atingida, posto que a crise do anotado padrão também atingira uma das suas dimensões: o chamado padrão de financiamento da economia brasileira. Sua endogenia era monumental. Assim, sem maiores ‘colchões amortecedores’, ela foi pega de cheio. A crise nacional lhe foi fatal!

Com a chegada do ideário neoliberal ao poder nos anos 1990 outra vez foram verbalizados discursos escapistas e de novo o Rio, mais uma vez cidade e estado, ‘deu de ombros’ para os seus históricos problemas econômicos estruturais. É nesse contexto que se deve entender o porquê de instituições empresariais, parte da mídia econômica e mesmo analistas especializados da academia defenderem que a fragilização do Estado Nacional não seria grave problema na medida em que poderia haver compensações. Numa frase: seria como se a modernidade que antes chegara ao Rio de Janeiro pela Baía da Guanabara fosse, em “revival”, reafirmá-lo como porta de entrada do Brasil e, por conseguinte, das novidades do capitalismo central.

À luz desse ideário passou a ser brandido que a desindustrialização do parque produtivo do Rio, mais uma vez cidade e estado, que estava longe de ser pujante, numa espécie de “trade off”, seria substituído por investimentos eivados de novas tecnologias. Também se dizia que a desterritorialização produtiva em curso tampouco seria danosa para a cidade, como vinha ocorrendo em algum grau na Europa, no Japão e nos EUA, uma vez que ela também passaria da condição de cidade da produção para a de cidade da gestão. Ainda: que ela seria convertida em uma cidade global, conforme a definição de Sassen (2001). Em resumo: que o chamado enxugamento do Estado tão ao gosto do ideário neoliberal não assustava e até mesmo viria em boa hora…

É verdade que houve alguns investimentos em novas tecnologias, mas nem de longe a cidade foi modernizada economicamente como anunciado. Muito menos ela se tornou nó relevante da rede de cidades globais etc. Mas não dá para negar que houve então certa reversão econômica positiva. Todavia, ressalte-se que essa reversão foi determinada fundamentalmente pelos negócios da cadeia de petróleo e gás estabelecida a partir da descoberta da chamada Bacia de Campos que, apesar dessa definição/distância geográfica, rebateram sobre a economia carioca e praticamente sobre todo o estado.

Ilustrando a assertiva: a localização da Petrobras em seu território, a recuperação (por causa) da indústria naval nos vizinhos municípios de Niterói e São Gonçalo, o repasse dos royalties e participações especiais para cerca de dois terços das unidades federativas municipais do estado do Rio de Janeiro (inclusive, a do Rio), a elevação da cotação do preço do barril do petróleo no mercado internacional somada ao câmbio valorizado etc., todos esses fatos, em suma, foram decisivamente contributivos para a referida inflexão econômica positiva do Rio vis a vis os anos anteriores.

Nesses termos, (re)assinale-se que de fato aconteceram alguns investimentos em alta tecnologia e, na sua esteira, variados negócios relativos à referida cadeia de petróleo e gás; mas, ao mesmo tempo, também o desmonte de antigas plantas industriais e a redução do papel do Estado no que tange à ativação mais direta da economia carioca, o que resultou em um grave e adicional problema, o do emprego. Ou seja, as reengenharias, as privatizações de empresas estatais, a flexibilização das relações contratual-trabalhistas etc., que acompanharam a modernização em tela, destruíram inúmeros postos de trabalho e os abertos foram orientados para os estratos sociais mais qualificados da sociedade – para os que possuem inglês fluente, apenas para exemplificar. Para os demais, quando muito, o chamado chão de fábrica e os serviços gerais.

Na entrada deste novo século ocorreu importante e novidadeira aliança política do governo fluminense, tanto do estadual quanto do municipal do Rio, com o ente federal, levando a que esse último carreasse para essas unidades federativas expressivos volumes de recursos. O Rio, lembrando em alguma medida os anos Pereira Passos da entrada do século anterior (XX), parecia um canteiro de obras. Para esse fim, considere-se os investimentos realizados diretamente em estádios e parques esportivos por conta de grandes eventos, como o foram os Jogos Pan-Americanos de 2007, a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, bem como os voltados para efeito da chamada mobilidade urbana. A partir de 2013 – infelizmente – tudo voltou a se agravar, seja pela crise econômica nacional (recessiva) seja pela incompetência e irresponsabilidade governamental local – da cidade e do estado.

Comentários Finais

Resulta do exposto que a incipiente e precursora atividade agrícola não prosperou; isto é, que ela historicamente, praticamente desde sempre, pouquíssimo contribuiu para o produto carioca. Por outro lado, embora com produção distante (Bacia de Campos), uma atividade extrativa continua fundamental para a economia carioca, a do petróleo e gás (embora ela também tenha recuado notavelmente em sua capacidade de arrasto sobre o conjunto da economia, dada a referida crise econômica e a orientação da política econômica do ente federal). Outra atividade econômica ainda presente e muito forte no Rio de Janeiro, mas também modificada, é a do comércio. Porém, o que mais chama atenção nas terras cariocas, e de longa data, é a presença expressiva dos serviços – muitos deles altamente especializados. Acrescente-se que essas terras, antes apenas de exploração, conquanto a descrição das suas belezas logo fosse registrada pelos navegantes que nela aportavam, continuam fundamentais para a atividade turística.

A escolha do Rio como sede de grandes eventos, desde os Jogos Pan Americanos e a Rio-92, passando pela Copa do Mundo de Futebol de 2014 e, em seguida, pelos Jogos Olímpicos de 2016 são mostras de que a imagem da cidade no país e no exterior continua possui algum valor simbólico e de mercado. Contudo, seus problemas de geração de riqueza e empregos industriais (afora os agrícolas) chamam bastante a atenção. Também o faz negativamente a larga informalidade ou precarização dos empregos gerados…e da mesma maneira sua sistemática dependência dos investimentos e de recursos por parte do governo federal – sem deixar de lado o impacto negativo sobre as decisões econômicas por conta da violência urbana e dos territórios dominados pelo crime organizado.

Assim sendo, soa evidente que nesses cerca de cinco séculos de existência da Cidade do Rio de Janeiro, ao lado das inúmeras mudanças ocorridas, e de algumas permanências (ainda que modificadas na sua forma), há enormes desafios a enfrentar para o soerguimento da economia carioca; e essas dificuldades, vale pontuar, exigem a elaboração de diagnósticos mais claros acerca do que fazer. Para tal, assim entendemos, crucial não perder de vista as imbricações do seu desenvolvimento com o que ocorre na região metropolitana, estado e país. Afinal, ainda mais nos dias atuais, urge não confundir cidade, seja ela qual for, com cidadela. Por fim, sublinhamos que igualmente urge pensar de maneira interdisciplinar para que as novas práxis a serem adotadas tanto contribuam para a sua dinamização econômica e geração de postos de trabalho quanto sejam efetivas, positivas e sócio-insurgentemente transformadoras.

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