O lema ordem e progresso do nacionalista bolsonarista

Ilustração: Mihai Cauli

Com cara séria, ajeitou a continência. Fez novamente. Outra vez a mão torta. “Calma!” Disse para si mesmo. “Ainda tenho dez dias para treinar”. Faz quase um mês que treina em frente ao espelho. Não é militar. Nunca foi. Ficou aliviado quando foi dispensado do Exército por ter pé chato.

De uns tempos para cá, virou nacionalista. Aprendeu o que é isso pelo WhatsApp. Antes, tinha vergonha de ser brasileiro. Achava a terra e o povo o que havia de pior no planeta. Agora, diz que a terra é uma beleza. Rica que só! O que estraga é essa gente que veio parar aqui. Uma gente errada. Desonesta. Comunista. Gay. Gente estranha. Gente que não tem jeito, só matando.

Américo não quer fazer feio no sete de setembro. Já escolheu o figurino. Vai de coturno, calça verde oliva, camiseta da seleção e uma grande boina vermelha, desproporcional para sua cabeça pequena. Pensou em arrumar um daqueles cinturões cheios de buracos onde os militares penduram seus trecos de guerrear. Quer ir preparado para o que vier. Está disposto a matar pela sua pátria.

Américo sonha com um Brasil rico e forte. Que precisa ser como um quartel. Com disciplina e hierarquia. Sem gente desonesta, gay ou comunista. Sem essa gentinha querendo pegar fácil um lugar que não é para elas. Culpa desses comunistas que fizeram a gentalha acreditar em direitos, igualdade e dignidade. Querem tudo isso sem ter que conquistar. Assim, de mão beijada.

Mas com Américo não rola. Ele é patriota e está disposto a lutar por um Brasil que será para poucos em tudo. Só para os bons como ele. Só para os crentes como ele. Só para os que sabem a verdade como ele. Só para os que pensam como ele. Só para os que têm mérito, como…

Ele ainda não chegou lá. Mas só por causa dessa gente mimizenta. Comunistas que inventaram conhecimentos difíceis só para espalhar suas ideologias. Coisa dessas Universidades balburdiadas.

Por isso, elas têm que ser para poucos. E sem esses cursos que só servem para formar maconheiros, gays, feministas e comunistas. Tem que ensinar a fazer e pronto! Formar sujeitos prontos para serem empregados ou empreendedores, de acordo com seus méritos. Como ele é homem e branco, o mérito natural dele é mandar nessa gente que deveria ser muito bem agradecida pelo emprego que ele lhes dará.

No seu entusiasmo nacionalista, quer um Brasil rico com pasto e sem floresta. Moderno com urna de lona e voto em papel. Respeitado mundo a fora porque não respeita ninguém. Seguro com muitas armas nas mãos de muita gente. Mais justo com a polícia executando bandidos sem a justiça para lhes aporrinhar. Quer um Brasil que seja a sua cara. Só a sua cara. Cara de homem de bem.

Sabe que o próximo sete de setembro será decisivo. Foi convocado pelo WhatsApp a defender a pátria. Não esta. A que surgirá. A transformação dependerá dos militares. Américo estará atento. Ao primeiro tiro de canhão, fará sua continência perfeita. Com a ponta do dedo médio tocando, retilínea, a aba da boina vermelha que cobre sua cabeça pequena.

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