Carla não queria se separar do marido, mas não teve escolha depois que ele descobriu suas traições. Ela, mais ambiciosa que vaidosa, até gostava dele, mas queria mais. Muito mais. Mais do que ele podia lhe dar. Ele, mais vaidoso que ambicioso, não suportou a ideia de ser enganado.

Não demorou-se na solidão. Bonita como muitas e decidida como poucas, logo arrumou outro. Com mais dinheiro. Depois outro e outro. Sempre um mais endinheirado e poderoso que o outro. O atual lhe deu um apartamento e mesada. Paga-lhe pelo sexo, pelo carinho interessado e pelo amor simulado. Tudo às escondidas, para a esposa não saber.

Foi difícil para o deputado engolir a seco a petulância daquele sujeito que ele sempre achou ordinário. Queria lhe encher de tapas na cara, dos que machucam e também daqueles que doem mais pelo estalo da bofetada do que pela pancada nas bochechas.

Como orgulho e ambição nem sempre combinam, ouviu calado e sorrindo um sorriso amarelo que mal escondia os dentes trincados. Passou o resto do dia ressentindo a humilhação. Aliviou-se com Carla antes de ir para casa. Entre beijos, lambidas e mucos, xingou e deu-lhe na cara todos os tapas que antes não pôde dar.

Ana deu sorte porque o marido chegou tarde naquele dia. Chegasse um pouco antes, ela teria que explicar para o deputado onde esteve. Chegou apressada e ainda suada da tarde que passou com Amanda, sua amante. Uma mulher mais jovem do que ela. Festeira. Sem ambições, vaidades ou juízo. “Sou uma mulher livre”, repete sempre.

Ana não se sente livre. Mulher da alta sociedade, é vaidosa demais para se assumir lésbica. Tem pesadelos só de pensar em seu nome mal falado nas altas rodas conservadoras com os mesmos adjetivos que ela usa para falar de outras que caíram em desgraça. Vive o fingimento de gostar do marido, que evita o quanto pode.

Márcio e Amanda casaram-se por conveniência. Ela, para sair da casa do pai repressor. Ele, para satisfazer a ambição de ser rico e a vaidade de ser diretor nas empresas do sogro. Ele sabe dos casos da mulher. Não liga. Vivem vidas separadas em casa. Em público e na internet, são convincentes no papel de casal feliz.

Mas apesar do que conquistou, Márcio carrega uma tristeza mal ajambrada. Daquelas que, às vezes, escapam num choro escondido. Ainda ama a ex-esposa, que o traiu. Sofre pelo orgulho ferido e, mesmo sofrendo, é orgulhoso demais para procurá-la.

Márcio chorou ao saber que o novo namorado de sua ex-esposa, Carla, era aquele deputado idiota que o sogro insistia em bancar. O achava um sujeito escorregadio e risonho demais. Incompetente e mais desonesto que o esperado para alguém da sua laia. Nem valia aquele tanto serviço que prestava. Na hora que a coisa apertava para a empresa em Brasília era ele mesmo, comprando um aqui e outro ali, quem resolvia.

Além de inútil e pateta, agora aquele asqueroso estava justamente com a sua Carla. Com ódio, arrumou um pretexto idiota para humilhá-lo em público. Sabia que o deputado ouviria calado e engoliria o sapo. Era ambicioso demais para reagir.

Carla demorou-se a dormir. Mesmo com os remédios fortes que tomou para dor, além dos ansiolíticos de sempre. Seu rosto, peitos e nádegas estavam inchados dos tapas e socos que levou. “Mas isso não vai ficar assim”, pensou enquanto chorava. “Por esta, ele vai ter que me dar um carro novo”.

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Ilustração: Mihai Cauli

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