No distante ano de 1936, a médica Marie Langer, estava em análise com o psicanalista Richard Sterba em Viena. Ao mesmo tempo, era uma militante comunista como tantos jovens à época, e numa manifestação política, Marie é presa. Na prisão conhece Max Langer, médico cirurgião, que a convida a se associar à legião dos médicos ingleses no apoio à República Espanhola.

A guerra civil foi vivida como a oportunidade de interromper a ascensão do fascismo na Europa. A decisão arriscada do casal Langer foi um ato que salvou a vida deles, como disse Marie: “No melhor dos casos, me poupou de ter que fugir dois anos depois como judia perseguida pelos nazis. Pude abandonar minha pátria voluntariamente, salvando minha autoestima”.
Em seu livro de memórias ainda escreveu: “Tinha muito medo de morrer, e se estou aqui é porque não fui nem a melhor nem a mais heroica”. Marie Langer foi uma mulher apaixonada pela justiça social, pelo feminismo e a psicanálise.

Em 1938, em função do crescimento do nazismo, emigra para o Uruguai, e em 1942 vai viver em Buenos Aires, onde com mais quatro psicanalistas formam a APA (Associación Psicoanalítica Argentina). Durante 29 anos desenvolve uma intensa vida institucional, chegando a ser presidente da sua instituição. Era considerada uma clínica com uma escuta sensível, e sua velocidade de raciocínio se pode perceber num diálogo que teve em Cuba com Fidel Castro:

  • FC: “Asi que tú eres la famosa psicoanalista vienesa prima de Freud, supongo”. Mimi (como também era conhecida) esclarece que, sim, nasceu em Viena, mas não era prima de Freud.
  • FC: Dime como se hace strudel de manzanas, com levadura o sin levadura?
    Mimi começa a responder e de repente diz algo assim:
  • ML: “Comandante, yo tengo admiración por usted, pero soy esencialmente una mujer feminista y usted me está haciendo cocinar”.

Nasceu em 1910 na cidade de Viena em uma família judia assimilada, e muito cedo decidiu estudar na universidade, contrariando sua mãe, que sonhava para ela só um casamento. Lutou para ingressar numa escola que era feminista e marxista, na qual os filhos de ricos pagavam muito e os pobres não precisavam pagar. Na década de 1930, os nazistas fecharam essa escola e Marie Langer, já na sua maturidade, entendeu o quanto deveu sua formação a essa escola. Ingressou na faculdade de medicina aos 19 anos já casada, o que era inédito na Viena daquela época.

Aliás, sempre foi pioneira, como o fato de seu livro mais importante ter sido “Maternidad y sexo”, editado em 1952, antes do livro “Segundo sexo”, de Simone de Beauvoir. Em 1971, após 29 anos na APA, integra o grupo de esquerda Plataforma, que critica a atitude de neutralidade política da Associação Psicanalítica Internacional e dezenas de psicanalistas argentinos renunciam. Em 1972, formam o Centro de Docencia e Investigación, ligado à Coordinadora de Trabajadores en Salud Mental, à qual me integrei ao chegar à capital portenha.

No final de janeiro de 1974, entrevistei a Dra. Langer junto com o Marcos Faermann e a Marilza Tafarell, onde conheci uma mulher entusiasmada pela vida. Alguns meses depois, Marie Langer teve que deixar a cidade de Buenos Aires, no seu terceiro exílio, pois constava numa lista de ameaçados de vida por uma organização de extrema direita, a triple “A”. Viajou para o México e logo se integrou tanto a instituições psicanalíticas como liderou um importante trabalho de Saúde mental na Nicarágua Sandinista.

Morreu em 1987, vítima de um câncer, e numa das homenagens a ela, sua filha Verônica selecionou algumas de suas frases cotidianas: “O que serve está na cabeça. Os bens podem desaparecer, o que está na cabeça, não”. “Não se economiza em educação e nos livros”. “Viver intensamente como colher cogumelos na chuva, banhar-se no mar”, logo diante do ditado em que os argentinos dizem que “la vida es corta e jodida”, Mimi dizia que “la vida es larga y feliz”. (publicado no Facebook do autor, em 11-02-2022)

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Ilustração: Mihai Cauli

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