Como Lula vai articular a mudança nos preços dos combustíveis?

Um velho dito popular assegura que o ano no Brasil começa de fato com o fim do Carnaval. Não sei se é exatamente verdade, mas no caso da política de preços dos combustíveis, vai de fato funcionar assim.

Imediatamente na semana seguinte ao Carnaval, reuniões em Brasília entre o presidente da República, o ministro da Fazenda e outros ministros de “ministérios políticos” (como se todo ministério não fosse político!) e o presidente da Petrobras abriram caminho para a primeira grande definição na área dos preços dos combustíveis: a volta da tributação.

O objetivo é desfazer a medida improvisada pelo governo anterior que, na tentativa de segurar os preços dos combustíveis para obter ganhos eleitorais (e rebaixar a inflação) sem alterar a política de paridade de preços dos combustíveis aqui dentro com os preços internacionais, pura e simplesmente cortou os impostos, com enormes impactos orçamentários no nível federal e nos orçamentos dos estados.

O grande objetivo da medida agora, aparentemente, é sinalizar a preocupação do Ministério da Fazenda com o equilíbrio fiscal. Em um primeiro momento, a alíquota de PIS/Cofins sobe a R$ 0,47 por litro de gasolina, e R$ 0,02 por litro de etanol, um valor menor que os praticados antes da desoneração feita por Bolsonaro, e que valem por quatro meses, inicialmente.

Ou seja, a ideia parece ser ir com cuidado, para ir sentindo os efeitos. Por outro lado, fica claro o objetivo ambiental de elevar mais fortemente o imposto sobre o combustível fóssil (a gasolina, feita a partir do petróleo) do que sobre a energia renovável (o etanol). Esse é um ponto importante. Assim, fica destacada a preocupação com a recomposição orçamentária e ao mesmo tempo com a justiça ambiental. Pontos positivos, em todo caso.

Como a reoneração tributária será parcial, o governo também decidiu, pelos mesmos quatro meses, instituir uma cobrança de taxa de 9,2% sobre a exportação de petróleo bruto, para melhorar a arrecadação nesse mesmo período. É um reforço da explicitação da preocupação orçamentária, já que pelos cálculos do governo, essa taxa sobre exportações compensa a perda de arrecadação com a reoneração parcial.

Qual o grande problema, então? Bem, pelo menos dois. O primeiro ponto é que a medida é implementada quando ainda existem indicadores de subida da taxa de inflação no próximo período, e a subida do preço dos combustíveis acabará por impactar a inflação. Mas isso pode ser um efeito pequeno e de curto-prazo, e acontecendo uma vez só. Ele pode repercutir ainda mais fortemente na ponta, nas bombas de gasolina dos postos, ao aproveitar o imposto para aumentar seus lucros. As estimativas são de que no primeiro dia de vigência (1º de março), os postos amplificaram o aumento de R$ 0,47 na gasolina para cerca de R$ 1,00 no preço final (evidentemente, a narrativa vai atribuir o aumento à reoneração tributária, mas o aumento na bomba é bem superior à tributação reinstituída).

O maior problema parece ser continuar fazendo política de preços de combustíveis tomando a manutenção da política de paridade de preços internacionais, que não foi alterada ainda. Ou seja, quando a desoneração dos preços dos combustíveis foi instituída, o foi como um mecanismo para baixar os preços dos derivados sem alterar aquela política, como dito antes, com objetivo fundamentalmente eleitoreiro, em pleno momento da disputa eleitoral. Agora, vai se introduzir parcialmente a reoneração testando seus efeitos sem ainda alterar a política de paridade de preços internacionais (a alteração foi prometida durante a campanha eleitoral do atual presidente da República). Ou seja, vai se manter por mais um tempo a política adotada ainda no governo Temer, e reforçada no período Bolsonaro e Paulo Guedes, homem forte do ex-presidente nos temas econômicos.

Há que se tomar em consideração que as mudanças na direção da Petrobras ainda estão acontecendo, e apesar de ter sido empossado o novo presidente indicado pelo governo Lula (o ex-senador Jean Paul Prates), boa parte da diretoria indicada pelo governo anterior ainda segue operando. O provável é que o novo governo tenha maioria na diretoria a partir de abril. Mas por que então não esperar até lá e apresentar o chamado “pacote completo”, com a reoneração combinada com a mudança na política de paridade de preços internacionais? Não seria mais completo? E não passaria menos incerteza para os mercados, que ficam agora especulando sobre se a atual política de preços vai de fato mudar ou vai ser mantida?

E os mercados financeiros estão atentos e dispostos a manter a pressão pela continuidade dessa política – é daí que vem a pressão e as especulações. Com a política vigente, de paridade de preços internacionais, em 2022 a Petrobras foi a segunda maior pagadora de dividendos do mundo, atrás apenas da mineradora anglo-australiana BHP Billiton, ambas suplantando as estadunidenses Microsoft, Exxon e Apple, segundo levantamento internacional divulgado pelo Jornal Valor Econômico no seu site também em 01/03/2023. Afinal, é para isso que serve a política de paridade com os preços internacionais: engordar o caixa dos investidores internacionais nas ações da Petrobras.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone

Sobre o tema, leia também “Lula e os preços dos combustíveis“, de Paulo Kliass.