Como já ocorreu diversas vezes, a COP 26, conhecida como “Conferência do Clima” (que desta vez ocorreu em Glasgow, Escócia, Reino Unido), terminou depois do prazo. Marcada para terminar no dia 12 de novembro, a conferência se estendeu por mais um dia, com o objetivo de permitir que as negociações se concluíssem. Mas o prosseguimento de pressões até o último minuto impediu que o documento final correspondesse ao final da conferência. A aprovação final foi feita de forma oral, ainda por serem incorporadas várias das discussões últimas de plenário.

Uma das emendas discutidas de última hora, por exemplo, por pressão da Índia, alterava uma redação sobre o fim da utilização do carvão ou, em linguagem diplomática, antes o texto falava em acelerar a eliminação do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis, mudado por sugestão feita no plenário para a eliminação progressiva do uso sem restrições do carvão e dos subsídios ineficientes para os combustíveis fósseis. Esse tipo de embate milimétrico de redações envolve um mundo de possibilidades para os países participantes e suas diferentes estratégias de desenvolvimento. Mas a inexistência de alterações significativas nos padrões de produção em todo o mundo também pode implicar inclusive o desaparecimento de alguns países, em geral pequenas ilhas que podem ir desaparecendo pela subida dos níveis dos mares, e até grandes áreas costeiras de países maiores.

O jogo da negociação climática também é um xadrez complicado e pouco nítido, pois apesar da proposta de alteração ser da Índia, aparentemente representava os interesses de Arábia Saudita, Austrália, China e Rússia, que nas negociações das salas fechadas eram os que mais pressionavam pura e simplesmente para retirar o trecho. Isso também mostra a complexidade da coisa. E isso em negociações que duraram duas semanas só em Glasgow, fora o tempo anterior de negociações, desde a COP 25 em 2019 (que foi em Madri, apesar de prevista inicialmente para Santiago do Chile, de onde foi retirada em função da subida da tensão política naquele país e das massivas manifestações de rua) e em especial desde 2020 (ano em que estava prevista a COP 26, adiada em função da pandemia da Covid-19).

Desde o sucesso da COP de Paris em 2015, que resultou no chamado Acordo de Paris sobre o Clima e os compromissos com ele assumidos, os negociadores parecem ter encontrado uma trilha pela qual seguir, para evitar maiores impasses. A essência dessa trilha, aparentemente, é fazer documentos denunciando e combatendo as mudanças climáticas, se aproximando dos documentos técnicos que em sua grande maioria vão nessa direção. Esses documentos técnicos denunciam os efeitos de uma sociedade baseada no uso intensivo do carbono. Além disso, os documentos oficiais passam a contemplar também as posições das organizações sociais, que pressionam por mudanças mais rápidas no modelo de desenvolvimento baseado na utilização intensiva de carbono como fonte de energia, mas não só isso (a agricultura e a pecuária são fontes absurdas de avanços sobre as áreas de floresta).

Além disso, os documentos oficiais passam a apontar a necessidade de ações políticas, investimentos e tecnologia para caminhar no sentido do que se chama um futuro desejável e sustentável de uma economia de baixo carbono. Para isso, a contribuição dos países seria de todos, mas também se daria de forma desigual, com os países mais desenvolvidos oferecendo mais (compromissos políticos, recursos financeiros e possibilidade de acesso a tecnologias) e os países menos desenvolvidos fazendo menos (mas também caminhando no mesmo sentido), buscando aproveitar oportunidades para alternativas de desenvolvimento. Tudo muito mais de definições de sentido político do que de fato, porque ninguém sabe exatamente como fazer a transição produtiva e energética.

Com o novo posicionamento do governo dos EUA, com Biden substituindo Trump, a vontade política da mudança e da busca de uma “economia verde” se acentuou, tentando combinar novos pacotes de investimento, as oportunidades presentes nas novas tecnologias, o avanço da digitalização, a tal da nova revolução industrial e as oportunidades financeiras dos chamados “mercados de carbono”. Os países desenvolvidos da América do Norte e Europa tentam apontar o rumo a ser seguido, com todas as dificuldades inerentes.

Pois na hora da prática, liberar tecnologia e recursos para os países mais pobres não é fácil, na medida em que a existência de patentes e tecnologia é recurso de poder financeiro e político. Além disso, evidentemente, as oportunidades dos novos mercados financeiros de carbono em um mundo da desregulação financeira podem acabar fazendo mais danos do que benesses, agravando as instabilidades sistêmicas. Mas esses são os riscos.

Ainda assim, os países insistem em trilhar esses caminhos. É possível evitar a catástrofe climática com intenções e mudanças tópicas? Esse é o ponto que veremos nos próximos anos. Se não for, será tarde.

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Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone

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