Haja crise no mundo. Crise econômica, precarizando o mercado de trabalho e acentuando as desigualdades sociais. Terrorismo e fanatismo religioso, aterrorizando as pessoas. Conflitos e guerras com a expectativa equivocada de que travando-as os conflitos serão resolvidos. Há 280 milhões de famélicos no planeta, cuja existência não desperta solidariedade suficiente dos super ricos que, numa penada, amenizariam o problema. E como se isso não bastasse, a democracia liberal caminha a passos largos para o cadafalso. Decorre de uma inexorável ruptura da relação de confiança entre governantes e governados, da descrença nas instituições e da perda de legitimidade da representação política. Mais de 60% dos habitantes do mundo não se sentem representados pelos políticos e pelos partidos e consideram os governos corruptos, burocráticos e mal intencionados E isso é muito triste, pois a democracia é o único sistema que favorece a liberdade.
Lembremo-nos dos preceitos básicos da democracia que a humanidade levou séculos de sangue, suor e lágrimas para construir:
- Império da Lei protegida pelos tribunais, garantindo direitos humanos e políticos, com liberdade de associação;
- Separação e independência de poderes;
- Responsabilidade social;
- Eleições livres e periódicas;
- Estado atuando em respeito aos delegados eleitos pelo povo;
- Observância à Constituição; e
- Relação equilibrada entre capital e trabalho e respeito aos grupos minoritários.
Infelizmente, o mundo vem piorando a olhos vistos. Trump, Brexit, crescimento dos políticos nacionalistas e xenófobos na França, Itália, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Áustria, Suíça, Grécia, Holanda, Polônia, Hungria, Noruega e Finlândia, para não falar do próprio Brasil e outros países do Sul Global. Recentemente, os europeus deram uma guinada à direita nas eleições do Parlamento Europeu. A extrema direita obteve vitória contundente na França e expressivos resultados na Alemanha, Áustria e Espanha. Além disso, é quase inacreditável o nível de vassalagem e submissão aos EUA por grande número de países europeus e pela banca internacional, o que aumenta a concentração de poder do Império e a polarização com o Sul Global.
A manifestação política no mundo midiático, calcado pelo potente processo de formação de opinião através de imagens (emoção visual), é outra questão de fundamental importância, que deve ser analisada e estudada com profundidade. Só as pessoas midiaticamente bem aceitas têm bons resultados, utilizando-se de fake news, desconstrução de imagens, reforço a escândalos, tudo isso sem necessidade de debates sérios e aprofundados de propostas. É urgente a necessidade de se regulamentar as plataformas de internet, a exemplo do que já vem sendo discutido em alguns países da Europa.
E para onde vamos? Para regimes autoritários como os da China e Rússia? Para teocracias como Irã e Arábia Saudita? Ou para ditaduras como Egito, Síria, Turquia, dentre outras? O fato é que o conservadorismo vem ganhando terreno em todo o planeta. O globalismo, que nasceu como uma panaceia capaz de solucionar problemas globais que os Estados nacionais não conseguiriam resolver (crises financeiras, direitos humanos, crise climática, corrupção, terrorismo, etc.), está sendo ofuscado. E são os próprios Estados liberais que propugnaram a globalização que se voltaram contra ela. Trata-se do retorno às decisões do Estado-Nação, do nacionalismo, da valorização da raça (anti-imigração e islamofobia institucional), da valorização da família patriarcal e da volta da crença em Deus.
Em 2008, com a crise do capitalismo financeiro global e da criação artificial de valor, crenças e sistemas colapsaram e o Estado foi forçado a intervir nas economias. Nos EUA, Obama aplicou medidas keynesianas de aumento do gasto público em infraestrutura e educação. O Welfare State europeu sofreu cortes de gastos e subsídios, tirando credibilidade da social democracia. Ficou patente a falácia da ideologia neoliberal contrária à intervenção do Estado na economia. Foi definitivamente enterrada, sem qualquer autocrítica, a teoria quantitativa da moeda, vigente por décadas nos meios acadêmicos internacionais, para a qual o nível geral de preços era função direta da quantidade de moeda na economia. Na crise, houve um aumento da base monetária de vários milhares por cento (Quantitative Easing) sem que isso provocasse qualquer aumento da inflação. O mesmo aconteceu no Japão, na Europa e na Inglaterra. Mas, mesmo assim, os neoconservadores continuam insistindo nos modelos reducionistas da economia neoclássica.
A crise financeira causou profundos desequilíbrios sociais. Pobreza, miséria, desemprego, desabastecimento, hiperinflação e crescimento da economia informal colocaram grande parte das populações contra a globalização. As economias estão reavaliando a real fortaleza do capitalismo selvagem como modelo de desenvolvimento.
Presentemente, a figura etérea do mercado é o grande instrumento de dominação dos países pobres e emergentes. Os classificadores de risco, os grandes bancos de investimento, os grandes brokers e os jornalistas econômicos ditam a moda, colocam e tiram as empresas e economias da berlinda. A interdependência é enorme.
A especulação financeira está presente em todas as economias e mercados. Os movimentos especulativos dos grandes capitais e das grandes fortunas afetam nossas economias, fazendo-as vítimas das tempestades inerentes às decisões especulativas. Somos economias vulneráveis às grandes ondas especulativas internacionais. Os capitais não têm mais pátria.
De forma cíclica, os capitais fluem e refluem, ao sabor dos movimentos especulativos e/ou das políticas econômicas ditadas pelos EUA, Europa e Japão. O grande paradigma são os títulos do Tesouro americano para 10 anos (Treasury Bills), cujo rendimento dá o diapasão para os instrumentos de dívida emitidos por todas as outras economias do mundo. A diferença entre o que um país está disposto a pagar para colocar no mercado um título soberano de 10 anos e o rendimento da Treasury Bill de mesmo prazo é o risco país – ou seja, o spread (ou taxa de risco) que ele tem de pagar para captar dinheiro concorrendo com o poderoso título americano.
A insuficiência de poupança interna retroalimenta a dependência. Daí a importância de estabelecermos fluxos de comércio com todos os países e participarmos da gradativa desdolarização que ocorrerá inexoravelmente no planeta.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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