Os cenários para as grandes economias, especialmente as do Atlântico Norte (Europa, EUA e Canadá) e o Japão não são muito favoráveis, para dizer o mínimo. As informações que vão saindo agora no começo do segundo semestre de 2022 dão conta de uma possível crise de proporções bastante alarmantes.
Os dados até aqui mostravam uma série de problemas que já se acumulavam. Como destaque, as fortes perspectivas inflacionárias, oriundas das interrupções das cadeias globais de suprimento. O que significa esse jargão cada vez mais utilizado?
Desde as últimas décadas do século anterior, as empresas foram disseminando sua produção pelo mundo, estabelecendo cadeias de fornecedores – isso era a parte produtiva e comercial da chamada globalização. Isso vale para produtos finais (por exemplo, grandes lojas de vestuário que se abastecem de roupas produzidas em Bangladesh ou Vietnã, só para ficar em um exemplo), mas vale também para bens intermediários (abra o motor do carro, ou um computador, e verifique a quantidade de países de onde são oriundas as peças que compõem aqueles produtos!). Isso vale para quase tudo, inclusive produtos agrícolas.
Pois bem, primeiro a Covid. Em seguida, as políticas em resposta à Covid (como o fechamento de cidades e regiões na China, também só para ficar em um exemplo) foram interrompendo essas cadeias. Os problemas de transporte naval daí oriundos foram agravando os problemas (afinal, um navio e seus containers, que iam para um destino, eram abastecidos neste ponto para o destino seguinte). Depois, a Guerra da Ucrânia diretamente, seguida de suas consequências (retaliações aos russos, o livre-mercado e a globalização produtiva substituídos por critérios geopolíticos de montagem de cadeias de produção globais, tentando, por exemplo, reduzir a importância da China nessas cadeias) foram acentuando o problema. Finalmente, não só os custos de transportes e energia, mas também a pressão por melhorias na área ambiental, reduzindo o consumo de carbono como elemento fundamental para o transporte, trabalhou no sentido da relocalização das cadeias produtivas.
Existe hoje um enorme problema de cadeias produtivas interrompidas ou sendo geográfica e geopoliticamente reorganizadas. Tudo isso, além dos preços de energia (petróleo e gás, especialmente) diretamente impactados pelos acontecimentos na Ucrânia, tem contribuído para a subida dos preços internacionais.
A isso se soma um mercado financeiro adicto à expansão permanente da oferta de crédito, seja por novos mecanismos financeiros, seja pela velha expansão monetária. Os mecanismos para administrar a crise econômico-financeira de 2007-2008, especialmente as políticas de expansão monetária (embaladas com o rótulo de “quantitative easing” pelos bancos centrais do mundo) fizeram novamente inflar os mercados financeiros mundiais. Com a Covid, vieram também fortes mecanismos de expansão fiscal no sentido de evitar a quebradeira de empresas e sociedades inteiras atingidas pela pandemia. E, finalmente, a disputa hegemônica entre China e EUA no cenário internacional justifica gastos pesados dos dois lados para seguir adiante. O trilionário programa lançado pelo presidente estadunidense Biden para reativar e modernizar a economia dos EUA é a face mais evidente desse processo apontado aqui.
Assim, temos pressões pelo lado da oferta e da demanda gerando inflação, e temos uma gestão de política monetária de uma nota só, que aponta permanentemente para a subida das taxas de juros como mecanismo de controle da inflação. Muito provavelmente, a subida dos juros não deve servir para controlar a inflação, que tem uma série de causas pelo lado da oferta. Por outro lado, a subida dos juros deve tornar extremamente complicadas as gestões de dívidas, tanto no que se refere a dívidas públicas, quanto às dividas de empresas e famílias.
A situação fica ainda mais complicada, pois, por conta das interrupções de suprimentos e da “retranca” no consumo de famílias e empresas, por conta do alto endividamento, o cenário já era de estagnação econômica, depois de uma recuperação pós-Covid. Passou, com a subida da inflação, a um cenário da chamada “estagflação”, economia estagnada, mas com preços em alta. E os mecanismos de administração da crise devem fazer as economias descerem ladeira abaixo, sem conseguir muito sucesso contra uma inflação motivada por questões de oferta, que estarão longe de serem resolvidas, e que muito provavelmente tomarão tempo para serem resolvidas (afinal, não é muito simples redesenhar essas cadeias globais).
O risco é evidente, os problemas estão a nu nesse momento. Como se comportarão os mercados financeiros, sempre tão nervosos e, ao mesmo tempo, dispostos a operar como pescadores de águas, operando (ou seria melhor dizer especulando?) nesse cenário complicado buscando ganhos? A ação desses mercados e sua operação, e a criatividade das autoridades econômicas (que envolvem muito além dos bancos centrais) deverá dar a tônica no futuro próximo. A crise está contratada, a sua gravidade ainda está por avaliar. Mas pode ser funda.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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