Tivemos um 7 de setembro, Dia da Independência no Brasil, marcado como uma data de defesa da soberania nacional. Fazia tempo que isso não se dava. Não é um conceito popular, mas deveria ser.
Quando se fala de soberania, trata-se de autodeterminação dos Estados Nacionais para a condução de suas vidas políticas, de suas decisões internas. O conceito remonta ao século XVII na Europa, quando ao final da chamada Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) – um conflito agudo e generalizado entre as potências europeias envolvendo disputas de poder, com questões políticas e religiosas –, foram firmados alguns acordos a fim de chegar a um termo para as contendas. Esse conjunto de acordos, conhecido como “Paz de Westfália”, introduz o conceito de soberania dos Estados Nacionais, que se reconhecem como entidades autônomas com capacidade de autogoverno, e portanto, de se governarem sem interferência externa. Esse conceito ainda é um marco nas relações internacionais e no direito internacional moderno, e garante a autonomia dos Estados.
Dessa forma, faz parte do conceito a ideia de que os Estados podem se governar sem interferência externa. Sabemos que na prática existe todo um jogo de pressões e contrapressões, que o mundo real sempre é um pouco (para dizer o mínimo) mais complexo do que os conceitos, mas a ideia de soberania é importante ao colocar um limite, pelo menos como princípio.
Assim, o respeito à soberania é um princípio importante para a manutenção da paz. Se rompido formalmente, abre caminho para os conflitos, que podem desembocar em guerras.
As ações do governo Trump frente ao Brasil abriram caminho para recolocar na agenda nacional essa questão da soberania, que de lá nunca deveria ter saído. Se por um lado, ao anunciar sua disputa comercial com o Brasil, com a elevação de tarifas, o governo dos EUA colocou a disputa no campo do comércio entre os dois países (e nesse caso, a elevação de tarifas, dentro das regras definidas do comércio internacional que limitam esse instrumento, sempre será uma prerrogativa dos Estados Nacionais, garantida pela sua… soberania). Por outro lado, os EUA adicionaram como um dos condicionantes a ser negociado na disputa comercial, a questão da liberdade do ex-presidente Bolsonaro. No entanto, essa decisão não passa pelo Executivo brasileiro, mas pelo Judiciário, dentro de um sistema institucional que define três poderes na República, e garante a sua autonomia um frente ao outro.
O governo Trump, ao introduzir essa questão, basicamente tentou violar a soberania nacional brasileira. Como dito anteriormente, os Estados Nacionais têm o direito de se governar sem a interferência externa, e o Brasil tem uma Constituição em vigor. Assim, o que faz hoje boa parte da sociedade e das instituições nacionais no Brasil é defender a sua soberania. É verdade que nesse ambiente conturbado, traidores da pátria que se autointitulam patriotas saem às ruas envolvidos ou carregando a bandeira de outro país, tentando violar nossa soberania em um comportamento que acaba mostrando o quão pouco são de fato patriotas.
E por que essa questão é importante? Porque para conduzirmos a busca por alternativas de desenvolvimento para o país atacar as desigualdades em todos os seus aspectos, precisamos de dois elementos essenciais.
O primeiro deles é a democracia, de forma que prevaleçam, através dos instrumentos democráticos, os desejos das maiorias sociais no país. Essas maiorias, particularmente os mais pobres, as mulheres, os negros, os excluídos em geral, só conseguem tentar fazer valer a sua vontade por meio dos mecanismos, como o voto, que garantem o poder às maiorias. Assim, como vimos nas tentativas golpistas recentes, a primeira ação para a busca de alternativas inclusivas e que ataquem fundamentalmente as desigualdades, é a defesa da democracia.
Outro ponto essencial é a defesa da soberania, é garantir que, desenhada a busca de uma alternativa de desenvolvimento, essa não seja barrada pelos interesses de outros Estados Nacionais que também têm interesses nos rumos do nosso país. Os nossos caminhos têm que ser democraticamente os escolhidos dentro do país, sem interferências externas, assim como reconhecemos o direito dos demais países de estabelecerem suas políticas nacionais.
Sem democracia e sem soberania, as maiorias sociais não conseguem fazer valer seus interesses na busca de alternativas ao processo de desenvolvimento, ficando limitadas pelos poderes de grupos oligárquicos ou de potências estrangeiras.
Por isso, é fundamental defender a soberania, nossa capacidade autônoma de definir nosso futuro dentro do ambiente democrático. No fundo, trata-se de uma mesma luta, da capacidade de autodeterminar um rumo para o país que atenda às maiorias sociais. Por isso é fundamental sua defesa, que vista assim, deixa de der um princípio abstrato.
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Ilustração: Mihai Cauli
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