
Com a prisão do ex-presidente golpista Bolsonaro, abriu-se um debate sobre uma candidatura à direita para enfrentar a candidatura do atual governo federal, provavelmente o próprio presidente Lula.
Esse debate aberto aconteceu em um momento traumático para a extrema direita, pela efetivação das prisões referentes aos processos relativos à tentativa (ou tentativas, pois se deram em diferentes momentos) de golpe de Estado. Por outro lado, era um momento em que, alçando a pauta de segurança com a Chacina da Penha, e conseguindo que este ponto superasse questões como desempenho econômico e defesa da soberania, os setores mais à direita interromperam um processo que vinha célere desde março de reação do presidente Lula nas avaliações e pesquisas.
Assim, o que parecia um processo que apontava para a consolidação de uma candidatura de continuidade do atual governo, passou normalmente a um processo em disputa.
Sobre o setor que se aglutina à direita do atual governo, cabem alguns comentários. O primeiro deles é que existem, mais à extrema direita, dois setores que disputam a hegemonia, sendo que dentro deles também há disputas. De um lado, atuais governadores de alguns estados importantes, como Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Goiás, colocam seu nome à disposição para a disputa, com estratégias diferentes, e disputam entre si. Mas disputam também com um setor mais duro, que representa o próprio núcleo familiar do bolsonarismo, onde também há disputa entre os filhos e a mulher do chefe do clã. Assim, pode-se ver na extrema direita um quadro de disputa entre blocos e dentro de cada um dos blocos, ainda sem solução, o que deve levar a um processo de composições e conflitos ao longo do próximo período.
De outro lado, temos uma direita mais branda, que segue com o discurso de buscar criar uma alternativa à polarização entre o bolsonarismo e as forças que se uniram em torno do atual governo. É a turma que insiste em um discurso anti-polarização, buscando ganhar espaço com essa narrativa. Não parecem ter muita consistência na disputa, mas contam com enorme simpatia dos principais setores da mídia. Nesse processo, também flertam em certa medida com alguns candidatos da extrema direita, como alguns dos governadores.
Entretanto, para que esses se tornassem confiáveis para essa turma que quer buscar alternativas, teriam que se afastar o suficiente do bolsonarismo para ganhar alguma credibilidade com essa direita branda. E, até aqui, o movimento desses candidatos que hoje são governadores é temer que um afastamento maior do bolsonarismo leve à perda de votos entre o eleitorado bolsonarista, e talvez ao surgimento de uma candidatura mais dura da extrema direita, mesmo que desautorizada pelo bolsonarismo, algo análogo ao que aconteceu na disputa para a prefeitura de São Paulo em 2024 com a experiência de Pablo Marçal.
Para os setores dos atuais govenadores direitistas, a negociação com o bolsonarismo do núcleo familiar também não é simples. Além da eventual montagem de chapas, a principal (para a presidência) e as estaduais, existe a cobrança do indulto a Bolsonaro como primeiro ponto, e evidentemente a ideia de Bolsonaro fora da prisão com um governo de direita significa quase que imediatamente o bolsonarismo em campanha pela antecipação das eleições, um processo que pode levar a uma crise imediata de governo nesse caso.
O campo governista também não está tranquilo, pois embora à esquerda não parece ser possível a criação de alguma alternativa factível, o chamado “campo democrático” (setores liberais que se uniram à Lula nas eleições passadas) acompanha com atenção o desenrolar das disputas que se dão na direita, que podem resultar em algum enfraquecimento no discurso de manutenção de uma alternativa democrática que se oponha ao discurso bolsonarista e à extrema direita.
Pragmatismo e divisões oportunistas, refletindo um quadro de clivagem regional importante entre as alternativas em disputa podem deixar mais turvas as águas da disputa. Aliás, esse pragmatismo já aconteceu em outros momentos nas disputas recentes, com um centro político que se move no Nordeste, por exemplo, se aproximando mais de Lula, enquanto no Sul ele se aproxima mais do bolsonarismo. Vale seguir observando, e evidentemente essa turma vai se mexer com um olho no peixe (as pesquisas eleitorais), e outro no gato (os movimentos dos candidatos e suas ofertas de alianças).
Duas coisas pelo menos devem ser observadas nesses movimentos. Aparentemente, até aqui, os principais setores do financismo e a institucionalidade do agronegócio têm se movido muito perto dos setores de extrema direita, seja politicamente, seja no suporte financeiro, seja no amálgama de seus interesses com as políticas mais à direita, como se viu recentemente com os temas ambientais e que dizem respeito às questões da propriedade fundiária que foram a debate no Congresso. Esse setor também parece meio emparedado por denúncias recentes envolvendo conexões financeiras com o narcotráfico e a regulação financeira, como no caso do Banco Máster. A ver se manterão uma linha de disputar o protagonismo, ou vão baixar o perfil.
Outro ponto importante, como mostraram eleições recentes no cenário regional, é que a direita tem entrado dividida na disputa, mas opera com razoável facilidade um consórcio para disputas de segundo turno, como aconteceu no Chile, onde quatro candidaturas viáveis de direita permitiram à candidata governista de esquerda liderar o quadro eleitoral no primeiro turno, mas várias dessas candidaturas rapidamente se uniram na passagem do primeiro para o segundo turno, permitindo que a opção à direita “ungida” no primeiro turno rapidamente passasse a liderar o processo. Vale observar também, mas em um país como o Brasil seguramente o filtro regional vai influenciar nesses movimentos.
Esse xadrez entre as possíveis candidaturas vai sendo jogado, e por enquanto mantém os candidatos da extrema direita nas manchetes, assim como o discurso do medo e o debate de políticas de segurança. A ver o que vai acontecer quando a polarização se cristalizar em nomes, e o jogo começar de verdade.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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