Donald Trump pretende fazer dos Estados Unidos a principal economia do mundo, recuperando a liderança industrial que vem perdendo para a China. Dois meses após o início de seu mandato, ainda não está claro como ele conseguirá isso.

Um caminho errático

 Trump anunciou que sua estratégia se concentrava principalmente em tarifas e sanções contra outros países, sem apresentar nenhum critério para explicar essas medidas, embora tenha essencialmente como alvo a China, que receberia tarifas de 10%.

Ele disse que haveria um imposto de 25% sobre alumínio, aço, automóveis, chips e produtos farmacêuticos. Os membros da OTAN que não concordarem em gastar 5% do seu PIB em armas militares e em comprar mais gás natural liquefeito (em geral tudo dos EUA) estarão sujeitos a tarifas de 20%. Também disse que cancelará a ajuda externa de seu país (USAID). Os BRICS foram ameaçados com tarifas de 100% se avançassem com a desdolarização.

Seu pacifismo também poderia ser considerado “econômico”. Trump anunciou o corte da ajuda à Ucrânia, e um cessar-fogo imediato de 30 dias negociado com a Ucrania. Mas embora logo depois voltou com a ajuda militar e de inteligência com a Ucrânia, a Rússia recebeu os termos do acordo para sua aprovação. A resposta de Putin revelou uma preocupação em evitar cair em outro “Minsk” que facilitaria outro rearmamento ucraniano.

Trump falou em cortar os gastos do Pentágono pela metade, desde que a Rússia e a China façam o mesmo. É improvável que esses países aceitem porque a perda de capacidade militar seria muito maior para eles, já que, juntos, eles gastam menos que Washington.

Mas também porque, como visto na Ucrânia, a Rússia e a China não só usam seus orçamentos militares de forma muito mais eficiente, mas uma grande parte do orçamento dos EUA é atualmente fraude, desperdício e abuso. Assim, a proposta do pacifista Trump teria efeitos econômicos positivos principalmente para os Estados Unidos, que também ganhariam uma vantagem militar esmagadora sobre a Rússia e a China.

 Resultados limitados

Trump saiu aplicando tarifas contra o México, Canadá e China. Mas depois ele reverteu muitas delas, e não está claro como elas ficarão. Talvez as respostas dos afetados tenham surpreendido ele. A presidente mexicana Claudia Sheinbaum permaneceu implacável, os canadenses promoveram um boicote aos produtos americanos e a China declarou calmamente que responderia na mesma moeda.

O fim da USAID também teve pouco impacto porque os fundos não são grandes — embora sejam significativos para alguns países

— mas, sobretudo, porque a repartição mostrou que grande parte deles foi usada para outros fins, como o financiamento de agências de notícias externas como a BBC. Há também especulações de que esse lugar poderia ser ocupado pela China, ajudando-a a ampliar seu alcance global. A políticas tarifárias também poderia causar caos nos mercados financeiros dos EUA e estrangeiros, afetando as cadeias de suprimentos globais, interrompendo compras estrangeiras de todos os tipos de produtos dos EUA (de aeronaves a tecnologia da informação) e também o crédito denominado em dólares.

Assim, surgem dúvidas sobre a melhoria do bem-estar econômico dos “americanos”. O próprio Trump, que prometeu que os EUA deveriam ser os “vencedores” em qualquer acordo internacional, agora diz que “não pode garantir” que não haverá um efeito negativo. Se espera que os custos tarifários sejam repassados aos preços enfrentados pelos consumidores. Segundo algumas estimativas, essas tarifas iniciais aumentarão os custos para a família americana média em US$ 1.600 a US$ 2.000 por ano. De acordo com a Tax Foundation “só as tarifas sobre o Canadá e o México aumentariam os impostos em US$ 958 bilhões entre 2025 e 2034.”

A inflação poderia piorar também se expulsa aos 12 milhões de trabalhadores ilegais—importantes em setores-chave como educação,  saúde,  serviços  profissionais  e  agricultura—porque aceitam, em geral, salários mais baixos que seus substitutos americanos. A situação seria pior se os quase 35 milhões de estrangeiros legais, muitos dos quais também aceitam salários mais baixos por razões socioculturais, fossem expulsos, pois constituem um grupo homogêneo e alvo da retórica de deportação: tanto republicanos quanto democratas acabam equiparando imigrantes a criminosos.

Por outro lado, o bilionário Elon Musk — que gastou pelo menos US$ 277 milhões na campanha de Trump — foi nomeado no “Departamento de Eficiência Governamental” (DOGE) com a meta de cortar US$ 2 trilhões do orçamento nacional — embora, de acordo com o Washington Post, suas empresas tenham recebido pelo menos US$ 38 bilhões do governo dos EUA desde 2006.

Musk já fez demissões em massa, sem avaliações de desempenho ou auditorias — embora muitos devessem ter sido convidados a retornar para empregos essenciais. O impacto levou a despidos também no setor privado. Houve 172.017 demissões em fevereiro, o maior número mensal desde julho de 2020 — quando os impactos da pandemia da COVID-19 foram sentidos — e o maior número de fevereiro desde 2009, durante a crise financeira global. Musk afirmou exultante que estava recuperando “cem bilhões de dólares do dinheiro do contribuinte” ao cortar 2.000 programas de ajuda federal para americanos em alimentação, moradia, educação, assistência médica, vítimas de violência doméstica, prevenção de suicídio, assistência a desastres, financiamento de pequenas empresas, creches e outras áreas.

A situação se torna mais difícil se considerarmos, por exemplo, que o 1% mais rico vive em média sete anos a mais que os 50% mais pobres, segundo o histórico senador Bernie Sanders. Nesse contexto, pesquisas recentes revelam que 81% da população se opõe a cortes na assistência médica, e quase 70% se opõe a cortes em assistência alimentar, assistência infantil e moradia. Tudo isso se contrasta com o anúncio de cortes de impostos para os ricos.

É que Trump pretende atrair os plutocratas do mundo criando um “cartão dourado” que garantiria residência permanente e um caminho rápido para a cidadania americana por US$ 5 milhões, esperando assim reduzir a dívida nacional. No Fórum de Davos, Trump disse: “Minha mensagem para todas as empresas do mundo é muito simples: venham fabricar seus produtos nos Estados Unidos, e nós imporemos alguns dos impostos mais baixos de qualquer nação do mundo”.

Essa postura é complementada pelo desejo de Musk de preservar a migração qualificada, como os vistos H1-B, que permitem que trabalhadores temporários entrem no país por até seis anos — sob total dependência da empresa patrocinadora, o que foi denunciado como uma forma de “servidão contratada”.

Por tudo isso, e pelo número de bilionários nomeados por Trump, um repórter disse que havia “um governo de plutocratas, por plutocratas, para plutocratas”.

Há um novo xerife?

Muitos analistas acreditam que Trump estaria repetindo a estratégia dos EUA das décadas de 1970 e 1980, quando sua capacidade de criar caos global foi usada para provocar a desintegração da URSS, fazendo com que seus rivais ocidentais e países em desenvolvimento— que estavam promulgando uma Nova Ordem Econômica Internacional — sucumbissem e aceitassem seus termos. Essa abordagem está sendo chamada de “plano de reversão de Kissinger” porque reverteria a parceria promovida pelo então Secretário de Estado, que se aliou à China de Mao para isolar a URSS.

No entanto, se esse fosse o caso, várias questões surgem. Na década de 1970, embora os “milagres alemães e japoneses” tenham sido significativos, a economia dos EUA ainda possuía capacidades industriais expressivas, que agora foram bastante perdidas para a China. Além disso, não tinha os enormes déficits fiscais e comerciais que têm sido uma ocorrência comum por quase meio século. A dívida pública dos EUA era pequena, mas hoje ultrapassa US$ 36 trilhões, enquanto seu déficit comercial está em um nível recorde.

Por outro lado, a URSS era rival dos EUA em muitos aspectos, mas não em termos econômicos ou comerciais. Os países que sim o eram, os europeus e o Japão, dependiam dele de muitas maneiras, inclusive militarmente. Agora, seu principal rival, a China, ostenta independência militar ao lado de sua economia em expansão.

A Rússia, por sua vez, continua focada em sua segurança devido à guerra na Ucrânia, conflito que levou seus principais líderes a concluir que não podem mais contar com o Ocidente como fizeram na década de 1990. Eles não esquecem a importância da própria China para lidar com as sanções econômicas que o Ocidente, liderado pelos EUA, vem impondo a eles. Ademais permitiu um agrupamento de países não ocidentais, promovendo mudanças na ordem internacional que ambos vinham exigindo. Em suma, é improvável que a Rússia aceitasse ser o parceiro dos EUA que a China foi na década de 1970, quando essa aliança também atendia aos objetivos econômicos e geopolíticos chineses.

A recente repreensão aos europeus na Conferência de Segurança de Munique por parte do vice-presidente JD Vance pareceu sinalizar uma posição diferente na política externa dos EUA. Mas, também afirmou que a reeleição de Trump significava que havia “um novo xerife na cidade”. Em última análise, esta parece ser a base da estratégia econômica de Trump. (Publicado no Observatório Internacional do Século XXI  de mar/2025  – CCS-UFRJ)

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
Clique aqui para artigos do autor.