A autonomia dos bancos centrais é o lema do pensamento econômico neoliberal que acompanhou a adoção das políticas de metas de inflação por países emergentes a partir do final dos anos 1990. A política de metas é baseada na ancoragem das expectativas inflacionárias dos tomadores de decisão de produção, investimentos produtivos, consumo e poupança. Isto significa que a ação da autoridade monetária deve coordenar as expectativas atuais sobre a inflação futura. Esta coordenação teoricamente exige que o Banco Central tenha credibilidade e previsibilidade em suas ações. A discricionariedade na política monetária fica constrangida pelas regras estritas da política de metas de inflação.

A autonomia do Banco Central é pensada como parte desta construção da credibilidade. Os diretores do banco, ao receberem um mandato não coincidente com o ciclo eleitoral do país, ficariam protegidos de pressões políticas ad hoc. E, também, livres dos interesses corporativos e setoriais da economia. Seria uma torre de marfim habitada por servidores públicos só pautados pela ética, conhecimento técnico e avaliações situacionais sobre o comportamento da inflação e sua trajetória em torno da meta.

A ética não se refere apenas aos valores individuais de cada presidente ou diretor da instituição, mas é aquela prevista pelos códigos de conduta dos servidores públicos em geral e dos servidores do Banco Central, em particular. É uma ética estabelecida em leis e regulamentos.

O conhecimento técnico é pressuposto para o recrutamento dos dirigentes do banco. Estes devem ter, além da formação acadêmica adequada, também a experiência com a gestão da coisa pública e com política monetária, seja no setor privado, público ou na pesquisa acadêmica. A avaliação situacional da trajetória da inflação exige não apenas conhecimento e experiência, mas também visão dos diferentes setores da economia e dos interesses distributivos em jogo. Podemos avaliar a conduta real das autoridades monetárias – diretores e presidente do Banco Central – a partir destas premissas.

Os diretores do Banco Central, aqueles não pertencentes aos quadros técnicos da autarquia, são invariavelmente recrutados por instituições financeiras privadas e, com raras exceções, por organismos financeiros multilaterais. Dessa forma, analisam a situação dos vários setores da economia com o viés dos interesses dos bancos. Não têm uma visão do desenvolvimento econômico do país e dos interesses gerais da sociedade. São agentes dos bancos privados, mesmo que não diretamente. Por isso, tendem a voltar ao setor privado financeiro como empregados ou donos de consultorias, corretoras ou bancos.

Esta trajetória de saída do Banco Central é tratada na literatura como revolving doors, portas giratórias. O recrutamento é feito entre empresas financeiras e na saída, voltam às empresas do setor. Este problema é tratado pela quarentena de seis meses dos egressos do banco. Não parece ser suficiente e gera desconfiança na isenção destes servidores.

O tema da ética é incontornável e principalmente aquele dos conflitos de interesses. O Banco Central do Brasil trata o tema em seu Código de Conduta dos Servidores, no capítulo IV, artigo 6o.:

O presidente Campos Neto parece ter quebrado o código de conduta do Banco Central ao participar de reuniões com operadores de mercado e emitir opiniões negativas sobre o futuro da economia. E por aceitar convite de jantar com líderes da oposição, ligados ao seu candidato derrotado à presidência da República. A imprensa chegou a publicar que ele teria se oferecido para ser ministro de um dos líderes da oposição participantes. Ele negou ter feito este oferecimento, muitos dias depois da divulgação feita pela imprensa.

Mesmo com a negação, o fato é que a própria reunião com os líderes da oposição está em desrespeito ao código de ética do banco. Ao participar, o presidente criou dúvidas em relação à sua integridade, à moralidade e clareza de suas posições.

Os bancos centrais com independência ou autonomia operacional vedam especificamente o tipo de conduta adotada pelo atual presidente do Bacen. Como o Federal Reserve Bank – FED, banco central dos EUA, em seu código de conduta, pp.1:

7.3 Atividade Política

  • Geral. Os Bancos da Reserva Federal têm uma necessidade básica de proteger a sua independência face ao processo político. Portanto, embora um funcionário possa participar ou envolver-se em questões de interesse ou debate do público em geral, a associação do funcionário com o Banco não deve ser divulgada em conexão com qualquer atividade política.

O código de ética do FED trata também da busca de novo emprego, o que é vedado. Neste caso, também parece que o presidente atual do Banco Central estava fazendo, apesar da negativa posterior. A operação política desencadeada por Campos Neto, que se tornou pública a partir do seu jantar, no dia 10 de junho, é de uma gravidade ímpar na história do Banco Central. Cria uma situação de constrangimento a vários diretores do banco e afronta a soberania popular ao tentar criar as condições para a indicação de um novo presidente do banco, que seja de seu agrado e do sistema financeiro.

A gravidade está na tentativa de usurpar uma prerrogativa do presidente da República, prevista na Constituição Federal e chancelada por mais de 60 milhões de votos, que é a de indicar o presidente do Banco Central, depois sabatinado e aprovado pelo Senado Federal.

Ele também vem apoiando explicitamente um projeto de lei complementar que visa dar autonomia administrativa e financeira ao Bacen. É outro conflito de interesse grave, já que o jogo parlamentar envolve negociações políticas que ele não deve e não tem autorização legal para realizar. Principalmente depois que a autonomia operacional do Bacen entrou em vigor, pois não está mais submetido ao poder eleito democraticamente e não negocia no Congresso em seu nome.

A conclusão é que Campos Neto desmoralizou a autonomia do Bacen e vem confirmando os temores de todos que se manifestaram contra a Lei Complementar 179/21. Extrapola seu mandato, usa a autonomia para operar interesses políticos próprios e afronta a soberania democrática. Também os que defendem a autonomia deveriam criticar o atual presidente do Bacen que, afinal, tornou impossível a defesa deste instrumento.

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Ilustração: Mihai Cauli  
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