“Ah, e nós, que pretendíamos preparar o terreno para a amizade, nem bons amigos nós mesmos pudemos ser”. (Bertolt Brecht – 1939, Aos que vão nascer)
Alguém perguntou qual foi o livro empolgante que li neste ano. Respondi: “O elogio do encontro”, produto da amizade entre dois poetas. Armindo Trevisan fez os poemas, e Celso Gutfreind escreveu crônicas sobre as conversas do amigo com alguns mestres da escrita. É um livro não só para ler, mas para reler, porque anima o leitor, é um livro terapêutico. Entre as dezenas de histórias começo com uma crônica sobre Carlos Drummond de Andrade:
– Sabe, Armindo, as pessoas mais humildes ainda conservam a poesia que os ricos e arrogantes já perderam, tragada pelas ambições.
– Terias um exemplo para me dar?
– Dia desses a funcionária do apartamento estava espanando o televisor e, num gesto não intencional mais brusco, o aparelho adernou. Quando estava para cair, ela teve o reflexo de segurá-lo, dizendo: “Seu Carlos, peguei-o como uma flor do ar”.
Uma flor do ar, uma flor do ar, uma flor do ar Drummond repetiu três vezes.
Há poemas para Scliar, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Gutfreind, Guimarães Rosa, entre outros. Sobre Scliar, Trevisan escreveu: “Recorda-te? De como fomos juntos/ a Auschwitz? De como lá choramos/ lágrimas invisíveis, quando vimos/ mais de trinta pavilhões emudecidos?”.
As crônicas do poetapsicanalista são de prosa poética, portanto é um livro em que as palavras cantam, dançam. Lembro que fiz um prefácio a um livro do Celso cujo título era, se lembro bem, “A dança das palavras”, em que escrevi: “Pela palavra podemos recuperar o tempo fértil da imaginação infantil, quando fantasia e poesia conviviam”. Foi o jovem poeta que imaginou esse livro e convidou Armindo, para juntos revelar sua fraternidade poética. Celso é o poetapsicanalista e Armindo é o poetapensador, amigo de grandes escritores. Amizade que se iniciou quando o poeta venceu um concurso nacional de poesia e cujo júri era: Drummond, Manuel Bandeira e Cassiano Ricardo.
Trevisan foi essencial na vida de Gutfreind, talvez seu primeiro terapeuta. O jovem melhorou, mudou nessa convivência, já o poeta mais experiente, foi ajudado pelo entusiasmo do jovem fã. Será que exagero nos elogios aos amigos poetas? Não sei, mas o livro me fez bem, e minhas palavras são de gratidão. Eles festejam com o livro uma longa amizade que em 1939 já era difícil de construir. Nesse ano Bertolt Brecht escreveu seu mais famoso poema: “Aos que vão nascer”. São muitas frases tocantes sobre o mundo, mas a que nunca esqueci é: “Ah, e nós, que pretendíamos preparar o terreno para a amizade, nem bons amigos nós mesmos pudemos ser”.
Armindo e Celso demonstram o quanto uma amizade faz o sofrimento sorrir. O livro dos poetas é um elogio à fé, à esperança, ao transformar tensões em poesia e o quanto uma amizade abre as janelas da liberdade. O “Elogio do encontro” é um elogio à amizade, pois os amigos são essenciais, são os irmãos da vida. É um livro sobre a beleza da vida como os versos de Trevisan à Drummond: “Acolheste no teu vasto coração/ a sensação sincera de que a Vida/ era muito maior que a Poesia”. (Publicado no Facebook do autor)
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Revisão: Celia Bartone
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