O autor (Ricardo Parrini) flagrado em seu habitat natural. Foto: Carlos Eduardo Carvalho

O livro “A floresta de um naturalista” publicado neste ano pelo naturalista Ricardo Parrini é a mais espetacular obra sobre a relação entre aves e plantas escrita neste século. Ele traz dezenas de informações inéditas que apontam na direção de uma amarração evolutiva ave-planta muito mais intrincada e específica do que jamais imaginaríamos para a Mata Atlântica.

Totalmente feito no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, Rio de Janeiro, o livro é sutilmente dividido em quatro grandes capítulos que correspondem às estações do ano. Em última instância, essa organização parece ter sido imposta pela própria natureza ao naturalista, ficando clara a necessidade de se entender, antes de mais nada, a dinâmica da floresta em sua perspectiva sazonal, para depois se aprofundar nos casos específicos. Dentro desses quatro grandes capítulos se encaixam temas gerais que, via de regra, abordam grupos vegetais e suas relações com as aves, incluindo nove “caminhadas botânicas”, entendidas aqui como as protagonistas do livro.

As caminhadas botânicas são geralmente curtas, não ultrapassando 350 metros, com o autor descrevendo com extraordinária riqueza de detalhes cada curva, cada árvore, cada sensação associada às plantas observadas, tudo acompanhado de referências (pontes, escadas, corrimãos, bueiros antigos, troncos grossos, curvas, bancos de pedra, número de passos, placas etc.) e dezenas de fotos que permitem ao leitor saber exatamente onde está e o que verá ao erguer seu binóculo.

Quando associadas às inúmeras relações ave-planta descritas, essas caminhadas conferem ao andarilho, seja ele um turista ou um naturalista, uma experiência absolutamente única. Isso torna o livro de enorme utilidade, por exemplo, para professores de ecologia que quiserem ensinar um pouco a seus alunos sobre o funcionamento de uma floresta fora das quatro paredes de uma sala de aula (a localização exata das estradas e trilhas percorridas pode ser encontrada em dois mapas fornecidos na obra).

Devido a seu riquíssimo relato empírico, este livro tem ainda um especial caráter multiplicador. A cada relação ave-planta descrita, uma possibilidade de pesquisa básica se apresenta. Dois bons exemplos disso são as inferências sobre a importância dos insetos visitantes de ingás (Inga spp.) e dos frutos das embaúbas-vermelhas (Cecropia glaziovii) para a nutrição de filhotes de diversas espécies de aves. Tal tipo de conhecimento, potencialmente, poderia contribuir bastante para as tentativas de reconstituição da fauna e flora de áreas degradadas.

Igualmente fascinante é a teia de interações entre as espécies do gênero Piper (Piperaceae) e as aves. O autor percebeu que os frutos dessas plantas são importantes, especificamente, para filhotões de várias espécies de ave, concluindo que as espécies que produzem infrutescências eretas (espigas) são mais procuradas do que as que possuem espigas pêndulas.

Baseado em sua própria intuição, o autor sugere que os beija-flores errantes, incluindo os do gênero Phaethornis, realizam um tipo de “mapeamento” de certas espécies de bromélias na época em que elas colorem suas folhas de vermelho, ainda antes da floração. Tal hipótese acrescenta um ingrediente importante na relação coevolutiva entre esses Trochilidae e as bromélias, já razoavelmente conhecida pelos ornitólogos. Assim, tanto os beija-flores como as bromélias economizariam tempo e energia.

Inúmeros tópicos distribuídos ao longo dos capítulos são interessantes e, de certa forma, inovadores, relacionando as mudanças que ocorrem na floresta ao longo do ano com os comportamentos das aves. Esse é o caso dos tópicos intitulados “Mudanças no padrão de distribuição e na organização social das aves: a chegada da estiagem”, “Pixiricas e jacatirões (gêneros Leandra e Miconia): o estoque de frutos do inverno” e “A fábrica de ninhos da primavera”.

Essa magnífica obra chega com um formato que estabelece pontes imediatas de entendimento com o público não especializado devido a sua prosa direta e didática, em um contexto em que boa parte das espécies vegetais e animais é ilustrada (o livro chega a mais de 500 fotografias). Trabalhos científicos como este, que sejam profundos e ricos em dados empíricos de história natural, mas que não deixem de dialogar com o grande público, são fundamentais nos sombrios tempos de hoje. Somente assim poderemos dar seguimento ao tão desejado processo de inclusão científica, processo esse ainda não suficientemente estimulado pela ortodoxia de nossa ciência, mas cujos resultados são sempre sentidos em todos os níveis da nossa sociedade.

Links: Para adquirir o livro e para ler o prefácio completo

Fotos de Carlos Eduardo Carvalho

Tiê-preto

Guaxe

Capitão-de-saíra

Ferro-velho