O terceiro capítulo do Qohélet – Eclesiastes da Bíblia – é sobre os tempos: “Tempo de nascer/Tempo de morrer, Tempo de plantar /Tempo de colher… conclui com o “Tempo de guerra/ Tempo de paz”. Vivemos hoje um tempo de guerra que diariamente está na TV, rádio, rede, conversa. Há um trauma diante da guerra mais perigosa após a Segunda Guerra Mundial, vivência de perplexidade e desamparo.

No livro “Da guerra”, Clausewitz define que a guerra é a continuação da política por outros meios, mas a guerra precede a política, o Estado, em milênios, sendo quase tão antiga como o próprio homem. O historiador prussiano e Aristóteles não entenderam que o homem é um animal que pensa e tem capacidade de caçar e matar.

Um dos mais famosos arqueólogos, Richard Leakey, pergunta se a agricultura – que começou há uns dez mil anos – foi um salto civilizatório ou um salto para a destruição. A partir da vida sedentária, com o nascimento das primeiras cidades, as guerras evoluíram, as armas passaram a ser inventadas de forma mais sofisticada, a ponto de alguns historiadores escreverem: não foram os homens que inventaram as armas, mas foram as armas que criaram os homens.

A guerra não é só a expressão de um ou outro sistema econômico, de um ou outro povo ou religião, a guerra integra a condição humana. E a guerra precede a paz, não só no famoso título do livro de León Tolstoi, “Guerra e Paz”, como na História. Entretanto, a gente tem a tendência a se surpreender com a guerra, como agora, em que a Ucrânia foi invadida pela Rússia. Temos a ilusão de que guerra é coisa do passado, e foi essa a mesma ilusão que teve a geração anterior à Primeira Guerra Mundial.

O primeiro ensaio que Freud escreveu sobre a guerra foi em 1915: “Da desilusão provocada pela guerra”. Antes de começar a guerra, ele estava excitado com a Tríplice Aliança e disse a Karl Abraham que se sentia austríaco e saudou a atitude inflexível desse país em relação à Sérvia. Seis meses depois de iniciada a guerra estava desiludido. O historiador Peter Gay, autor da melhor biografia sobre Freud, escreve que foi uma guerra entre potências que destruiu um mundo que se imaginou pacífico.

Já na carta “O porquê da guerra?”, de 1932, em que Freud escreve a Albert Einstein, ele começa destacando os poderes desiguais na comunidade: homens e mulheres, pais e filhos, e, decorrente da guerra, os vencedores e os vencidos. Acrescentaria a essa lista as classes sociais, brancos e negros entre outros. Freud conclui destacando a pulsão de destruição, o prazer de agredir e destruir como revelam as inumeráveis crueldades da História e da vida cotidiana.

A pulsão de morte quando é dirigida para fora, aos objetos, pode ser chamada de pulsão de destruição. Há 90 anos, ainda escreveu: “Os bolcheviques esperam que a agressão entre os homens vá desaparecer se as necessidades materiais forem satisfeitas, estabelecendo a igualdade. Eu considero uma ilusão”.

Quantas vezes critiquei Freud devido a sua última afirmação, pois tinha a esperança de que a guerra e a crueldade pudessem ser aplacadas. Entretanto, como não haver guerra, se há muitos interesses para que ela ocorra? Os países da Europa não conseguiram lutar pela paz entre a Ucrânia e a Rússia de forma eficiente, muito menos a OTAN. Como se ocorresse uma cumplicidade de muitos a favor da guerra, pois se há oligarquias na Rússia, há também nos Estados Unidos como o complexo militar-industrial.

As guerras são complexas, são sempre multifatoriais, envolvem muitos fatores, várias causas. As guerras são movidas pelo poder, seja o alimento na Antiguidade, a conquista de terras, a guerra pelo ouro, petróleo – invasão norte-americana ao Iraque –, o gás, as riquezas, a lei do mais forte.

Tenho visto algumas cenas de guerra como a passagem da população, em fuga, por baixo de uma ponte destruída. Outra cena é a senhora morta por um obus com seus dois filhos jovens e só se escuta o cachorro gemendo alto, são cenas de inferno. Um milhão e meio de crianças e adolescentes já saíram da Ucrânia fugindo da guerra. Os povos são sacrificados, como agora está sendo o povo ucraniano.

Já a cultura trabalha pela paz, como ocorre nas manifestações na Rússia contra a guerra. A turma do ódio se une no mundo contra as artes, as ciências, mas nem sempre a crueldade tem a última palavra. Vivemos um tempo de guerra, haverá um tempo de paz. Um esforço de vitória diante da vida é tentar compreende-la, e perceber o quanto a guerra revela que nossa única certeza é a incerteza. (Publicado na Zero Hora, 26/03/2022)

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Ilustração: Mihai Cauli

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