O Brasil encontra-se diante de uma verdadeira guerra no interior do mundo do trabalho, cada vez mais degradado pela desindustrialização que marca a contrarrevolução neoliberal conservadora sucessora do governo Sarney (1985-1990). Desde então, o pacto político constitutivo da virada cultural desenvolvimentista inaugurada pela conjunção dos movimentos modernista e tenentista na Revolução de 1930 passou a dar lugar à política de dominância rentista-neoextrativista.

Do ponto do vista do conjunto da força de trabalho, a nova maioria política tem procurado se sustentar mediante sucessiva política de gestão ampliada da massa social que sobra do declínio econômico nacional. De um lado, o avanço do Estado social em financiar a sobrevivência de ampla parcela populacional através do fundo público, capaz de atender o equivalente a 40% da população brasileira em diversos programas de garantia do rendimento.

De outro, o alastramento do Estado policial a patrocinar tanto o encarceramento de parcela crescente da massa sobrante como a sua aniquilação por políticas disseminatórias de violência pública e privada. A inédita expansão da taxa de homicídios expõe a prática do extermínio da população juvenil, negra e empobrecida que descartada pelo Estado social termina sendo incluída pelo Estado policial.

Além disso, o conjunto restante da força de trabalho espremido pela escassez ocupacional tem sido intensamente exposto à ideologia da meritocracia do empresariamento de si próprio. Tão alienante como reconfortante, o empreendedorismo propagado ao excesso promove, neste início do século 21, outra virada cultural conduzida por generalizado fanatismo religioso e banditismo social.

Uma espécie inédita do sistema jagunço estaria a semear “novas canudos” pelo território nacional. Diferentemente da República Velha (1889-1930), quando nasceu e se proliferou entre os descartados do capitalismo nascente no Brasil agrário, o sistema jagunço atual se dissemina mais nos espaços metropolitanos inchados por serviços precarizantes que ocupam lugares herdados do desmanche provocado pelo neoliberalismo desindustrializante.

É nesse sentido que se fortalece o trabalho a partir do domicílio, sobretudo o que se movimentou durante a pandemia da Covid-19 no Brasil. Para além do trabalho não pago na reprodução e cuidados em casa, invisível para a representação sindical ou política e para direitos sociais e trabalhistas, alastrou-se o trabalho a domicílio para outrem no formato de empregados e contapropristas formais e informais.

Pelas informações do Ibge, o Brasil teria registrado uma quantidade de trabalhadores obtendo rendimento por atividade em casa em 2020 que equivaleria a menos de 10% do total dos ocupados. Apesar de expostos ao labor sem inspeção e segurança laboral, esse contingente da força de trabalho absorveu próximo do 1/5 do total da massa de rendimento do trabalho do país.

A cada grupo de 10 ocupados pelo teletrabalho, seis estavam vinculados ao setor privado e quatro no serviço público. Enquanto no Estado, um a cada três ocupados exerceu o trabalho em casa, no setor privado, o teletrabalho representou menos de 7% do total da ocupação.

Se a região Norte foi a que registrou menor presença do teletrabalho, a região Sudeste foi a que mais se destacou pela presença relativa entre os ocupados dos trabalhadores em casa. O Distrito Federal, contudo, foi, com quase um terço dos ocupados, a localidade nacional com a maior disseminação do teletrabalho no Brasil em 2020.

Em geral, o perfil dos ocupados no trabalho remoto se constituiu por 4/5 detentores do ensino superior, quase 60% de mulheres e mais da metade concentrada na faixa etária inferior a 40 anos. Pelos estudos disponíveis, o teletrabalho significou para as empresas tanto a economia de custos fixos (transporte, espaço físico, limpeza, segurança, entre outros) como a obtenção de maior produtividade.

Mesmo com a ampliação da jornada de trabalho exercida no próprio domicílio, absorvedora, em grande medida, da economia do tempo de deslocamento, o rendimento médio auferido pelo conjunto dos trabalhos remotos registrou queda em termos reais no ano de 2020. Uma expressão direta que resulta invariavelmente da intensa guerra em curso no interior do mundo do trabalho travada por gigantesca massa sobrante de um capitalismo sem vigor, conduzido por governos fundamentalmente assentados nos interesses de ricos e poderosos.

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