Freud escreveu numa carta a Jung: “Poder-se-ia dizer que a cura é essencialmente efetuada pelo amor”, num distante 6/12/1906. Essa frase emociona pela palavra amor, entretanto é possível perguntar como é feita essa cura só pelo amor. Ademais, como a cura pode ser avaliada a ponto de alguém dizer: “Estou curado”? Uns dez anos após a carta enviada a Jung, ambos não eram mais amigos, ao contrário, e, em plena Primeira Guerra Mundial, Freud fez conferências de introdução à Psicanálise na Universidade de Viena. Na primeira conferência falou na importância da “palavra”, para justificar como era possível um tratamento só com palavras. Disse que o tratamento analítico é um intercâmbio entre o analisado e o médico (alguns anos depois escreveu que não era necessário ser médico para ser psicanalista). O paciente fala, conta as suas vivências passadas, suas impressões presentes, se queixa, confessa seus desejos, seus movimentos afetivos. Já o analista escuta, busca dirigir as conclusões do paciente, desperta sua atenção em certas direções. Lembra, finalmente, que as palavras eram magia na origem e uma análise é uma magia lenta…

Nas origens, as palavras faziam magias, as palavras curavam, eram ensalmos, daí o “Livro dos Salmos” na Bíblia. Essa primeira conferência da “Introdução à Psicanálise” é uma exaltação ao poder das palavras e como uma palavra pode gerar felicidade ou desespero. Tem os que desejam amarrar as palavras às suas origens, não sabem que as palavras têm vida, sofrem metamorfoses. As palavras formam frases e, às vezes, ficamos com alguma como apoio nas horas amargas. Recordo uma frase de minha analista numa carta que não sei onde está, mas guardo comigo, pois ela se referia que encontrara em São Paulo familiares que tinham em comum com ela muito afeto por mim. Fiquei tão bobo com a carta que a perdi, mas essa frase nunca mais esqueci, e agora recordo com alegria. Cada um talvez lembre frases que contenham palavras suaves, palavras que aumentam o amor-próprio, fazem bem à autoestima. Precisamos de palavras carinhosas, palavras que revelem a beleza de viver gerando o entusiasmo na magia das palavras.

Palavras, se sabe, podem ser venenosas, fazer mal na história pessoal. Frases repetidas dos pais que humilham seus filhos na comparação com os filhos do vizinho. Frases como “tu não tens mesmo jeito”, e palavras como “preguiçoso”, “malvado” estimulam o masoquismo, o lugar de sofredor como um lugar no qual a criança é desejada.

Já a nível das redes e mídias há os que colaboram para dinamitar as eleições e a democracia com mentiras, humilhações. O desprezo faz parte do ódio, pois transforma os diferentes em inimigos, projeta de forma massiva o mal em bodes expiatórios. Aqui no Brasil os principais alvos da crueldade têm sido os negros, os índios, os pobres e os que defendem a justiça social. Ainda não se encontrou o melhor caminho de como enfrentar o ódio que pratica a pior das distopias. Diante de palavras mentirosas, é preciso desenvolver algum contraveneno.

São muitas as provas da magia da palavra como é a poesia, o sonho, a piada que com uma palavra pode desencadear risos. Incrível também como três perguntas feitas há dois mil anos por Hilel seguem vivas, revelando a magia das palavras e o valor das perguntas: Se eu não for por mim, quem será? Se eu for apenas por mim, o que será de mim? Se não agora, quando?

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Ilustração: Mihai Cauli

Leia também “Capacidade de amar“, do mesmo autor.