A Economia Política estuda as relações entre a economia e o poder político, ela é uma Ciência Social permeada nas suas determinações e movimentos pela ação das forças sociais e políticas em disputa dentro de uma determinada sociedade.

Tomando esse ponto de partida, a recente discussão e modificação na presidência da Petrobras é uma verdadeira aula. É o confronto entre, ao menos, duas narrativas que se construíram ao longo do tempo, e que hoje disputam a capacidade de se afirmar enquanto política empresarial e de desenvolvimento futuro.

Os interesses há muito vêm se movendo. De um lado, está o mercado financeiro, os investidores (especuladores), os importadores de derivados de petróleo e outros, que construíram ao longo do tempo uma narrativa que vincula o preço do óleo e dos derivados aos preços internacionais, mesmo que o Brasil seja hoje um produtor de petróleo com razoável capacidade de refino instalada, que poderia ser ampliada, caso houvesse interesse.

Portanto, não precisa estar tão subordinado às flutuações dos preços internacionais, que além de tudo são influenciadas pela indexação ao dólar estadunidense. Sempre que sobem os preços internacionais dos derivados ou o real se desvaloriza frente ao dólar, ou ambos, o preço dos derivados sobe aqui dentro. Ganham esses aplicadores do mercado financeiro que embolsam os lucros de curto-prazo da Petrobrás, e os importadores de derivados que viabilizam sua operação aqui dentro.

De outro lado, temos os consumidores internos de derivados, especialmente de gás de botijão, gasolina e diesel, que perdem com a subida de preços. Desses, o setor mais sensível parece ser o de transporte de cargas e sua principal expressão política recente, os caminhoneiros. A estrutura de transporte de carga viesada desde os anos 1950, com a malha ferroviária e aquaviária atrofiada e enorme dependência do transporte rodoviário, é um “modelo” que deu enorme peso político aos caminhoneiros, que sacudiram o país com a greve de 2018.

Os consumidores em geral têm uma resistência crônica ao aumento de preços, que se expressa contra o governo federal e algumas também contra os governos estaduais e municipais, pois a União tenta responsabilizar os impostos estaduais e municipais pelos reajustes. As pesquisas de opinião, ou eventualmente os processos eleitorais, refletem bem a insatisfação. Os caminhoneiros representam a resistência mais aguda, podendo fechar estradas e provocar desabastecimento, o que pode derrubar presidentes da Petrobras e eventualmente minar governos.

Bolsonaro, ao encaminhar a troca na presidência da Petrobras, caminha no sentido da prevenção, de evitar o processo ocorrido durante o governo Temer, quando logo após o anúncio da valorização recorde da Petrobras, no início de maio de 2018, o governo enfrentou, duas semanas depois, uma greve extremamente mobilizada dos caminhoneiros, que dobra o governo, derruba a narrativa liberal sobre a dolarização do preço dos derivados como panaceia para todos os males.

A disputa de narrativa mais uma vez pende para o lado dos caminhoneiros. E, para tentar prevenir o desgaste, o governo Bolsonaro abre mão, com várias desculpas, do presidente de interesse do mercado financeiro na presidência da Petrobras, optando por um militar cumpridor de ordens, como tem feito em vários momentos em muitos setores.

O fato é que com a subida dos preços dos derivados no mercado internacional e a desvalorização do real, fica difícil administrar uma narrativa “mercadista”. Como dito, o país, desde as descobertas do pré-sal no governo Lula, é autossuficiente em petróleo, tem capacidade de refino instalada, que poderia ser facilmente ampliada, e não necessitaria se submeter pura e simplesmente aos interesses dos investidores financeiros.

Por outro lado, o governo Bolsonaro tenta fazer as modificações sem romper com o seu apoio no mercado financeiro e se enrola em um discurso em que critica a narrativa da hegemonia financeira na área de petróleo, que quer a vinculação aos preços internacionais e acena com modificações para sua base de apoio entre os caminhoneiros. Como compensação, sinaliza com eventual avanço no processo de privatizações, tentando seduzir o mercado financeiro.

Parece aquele artista de circo que fica rodando os pratos na ponta das estacas em alta velocidade para impedir que caiam, sabendo que é impossível seguir com esse processo o tempo todo.

Entretanto, o fogo de barragem dos principais meios de comunicação, comprometidos com a narrativa “mercadista”, impede que uma narrativa alternativa que priorize os interesses dos consumidores de derivados e da produção e refino no país, possa ser colocada no centro do debate. Assim, discute-se a questão da Petrobras e dos preços dos derivados em meio a uma nuvem de fumaça que impossibilita o debate aberto de alternativas. E segue o pensamento único.

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Sobre o tema da intervenção política na Petrobras, veja o livro “O Patrão e o Petroleiro”, de Eduardo Scaletsky – um relato das interferências políticas na empresa ao longo de sua história no pós-1964.