
A expressão não é nova, e nem minha. Mas é obviamente o que vem à mente quando se vê o presidente dos EUA, Donald Trump, se insinuando para o Prêmio Nobel da Paz. De que paz, afinal, estamos falando?
Em primeiro lugar, uma visão de alguns ganhadores. Se ganhasse, Trump se juntaria a alguns ex-presidentes dos EUA:
– Theodore Roosevelt – ganhou em 1906. (Vale lembrar que este Roosevelt não é o Franklin Delano Roosevelt do New Deal nos anos 1930.) Esse foi secretário-adjunto da Marinha no final do Século XIX e herói da guerra dos EUA contra a Espanha. Idealizou a política do “Big Stick”, adotada durante sua presidência, que correspondia a ameaçar outros países, especialmente com a Marinha, principalmente países da América Central e do Sul – vale apontar também que foi o responsável pela construção do Canal do Panamá, violando àquela altura a soberania da Colômbia, que tinha aquela região em seu território.
– Woodrow Wilson – ganhou em 1919. Decidiu pela entrada dos EUA na Primeira Guerra Mundial e foi conhecido por suas políticas segregacionistas na burocracia federal e por sua oposição ao voto feminino.
– Jimmy Carter – ganhou em 2002. Formado na Academia Naval dos EUA, voltou a aquecer a chamada Guerra Fria (disputa entre os EUA e a antiga União Soviética), liderando o boicote às Olimpíadas de Moscou, ou ainda levando ao limite as tensões com o Irã (que vinha recentemente da Revolução Islâmica) com a chamada “crise dos reféns”.
– Barack Obama – ganhou em 2009. Aumentou a presença militar dos EUA no Afeganistão, autorizou a intervenção dos EUA na Líbia e uma operação militar assassina no Paquistão, no seu primeiro mandato. No segundo, retornou as tropas dos EUA ao Iraque e autorizou ataques aéreos e navais à Síria.
Além desses ex-presidentes, há ganhadores do Nobel da Paz estadunidenses ligados ao establishment político, como Henry Kissinger (em 1973) e Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA (em 2007).
Desse ponto de vista, Trump, se ganhasse, estaria ombro a ombro com alguns belicosos compatriotas que foram agraciados com o Prêmio Nobel pelo Comitê do Nobel Norueguês (sim, o Nobel da Paz não é decidido pelos suecos, como a maioria dos prêmios). Nada a ver com paz.
Como, aliás, teve pouco a ver com paz o prêmio dado à efetiva ganhadora, a venezuelana Maria Corina Machado. No limite, dependendo da interpretação, se pode dizer que é uma militante pela democratização da Venezuela, embora tenha permanentemente apoiado situações de ruptura institucional, como a tentativa de fazer de Juan Guaidó presidente autoproclamado em 2019 na Venezuela. Anteriormente, havia firmado uma lista de apoio ao empresário Pedro Carmona, que encabeçou um golpe contra o então presidente venezuelano Hugo Chávez, retirado por dois dias do governo à época. E, na prática, defende uma intervenção externa (ou seja, uma guerra) para resolver a situação política venezuelana. Nenhuma relação com paz, como se vê, e contraditória relação com a defesa da democracia.
A questão é que o grau de tensão a que o governo Trump expõe os governos da América Latina deveria sinalizar ao Comitê Norueguês do Nobel que o prêmio da paz deveria passar longe do continente nesse momento. Pressão sobre o Panamá, México e Canadá antes de assumir, pressão permanente sobre Venezuela e Cuba, tarifação e pressão política sobre o Brasil com declarações sobre a soltura de Bolsonaro que violam a institucionalidade e a soberania do Brasil, e a mais recente pressão sobre a Colômbia mostram que um continente que há pouco tempo se rejubilava de seu ambiente de paz (e inclusive vendia essa imagem aos investidores internacionais preocupados com a turbulência internacional) caminha hoje sobre um fio de navalha para não cair em alguma armadilha que possa manchar a paz na região.
Precisaremos contar com muita mediação, muita unidade dos povos latino-americanos, e que o governo Trump tenha algum raio de lucidez para que não ocorram por aqui massacres e genocídio, como vemos na Palestina, com dezenas de milhares de mortos, muita destruição – e as bênçãos do governo Trump. Para que depois advenha a paz. Aquela, dos cemitérios. Mediada pelos enviados do governo Trump. Ele, que almeja o Nobel da Paz.
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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