Nenhum grande país se industrializou e se desenvolveu sem fontes energéticas. No Brasil, nossa energia começou com o braço escravo. Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, na década de 30, foi introduzido o item energia na nossa agenda. Primeiro, a hidrelétrica e depois, a petroleira, com base no movimento popular “O Petróleo é Nosso”.

O petróleo e as demais fontes energéticas são recursos estratégicos para os Estados nacionais e seus povos. Tanto isso é verdade que a geopolítica e as guerras sempre giraram em torno do petróleo.

Sendo estratégico, o petróleo foi e deveria continuar sendo monopólio da União. A Petrobras, fundada em 1953, acertadamente como monopólio estatal, sempre foi a principal alavanca de desenvolvimento industrial do país: explorar, produzir e refinar o petróleo, visando à autossuficiência energética da nação. Nasceu do zero e dedicou-se, primeiramente, à exploração onshore. Em 1969, descobriu o primeiro campo de petróleo na plataforma continental brasileira, o Campo de Guaricema, no mar de Sergipe. Daí em diante, partiu para a exploração offshore, onde foi bem sucedida na sua curva de aprendizado nas águas profundas da bacia de Campos. Isso permitiu que ela se aventurasse com êxito, como operadora única, nas águas ultra profundas da bacia de Santos, onde já na segunda perfuração foi descoberto o campo de Lula, do pré-sal, com grandes quantidades de óleo e gás.

Sua missão foi capacitar-se científica e tecnologicamente para abastecer o mercado interno, exportar excedentes e ditar o ritmo de produção e refino, que não necessariamente deve seguir a rationale de maximização de lucros dos investidores capitalistas. Por isso mesmo, idealmente, teria que ser de propriedade exclusiva do povo brasileiro, sem sócios privados, cujos interesses têm conflitos irreconciliáveis com aqueles do nosso desenvolvimento social sustentável.

A Constituição de 1988 contemplou nossa opção por um Estado democrático de direito, além de diretrizes para um projeto soberano de desenvolvimento nacional, ou seja, o país ser capaz de se sustentar. Como dizia Barbosa Lima Sobrinho, “o capital se faz em casa”.

O Brasil precisa ter controle sobre sua energia, já que tais recursos são os principais instrumentos de desenvolvimento econômico e social de qualquer país energeticamente autossuficiente.

O mercado de petróleo é altamente imperfeito, pois a OPEP + responde por 50% da oferta de petróleo mundial, que é da ordem de 100 milhões de barris/dia. Por razões inexplicáveis, o Brasil nunca decidiu associar-se à OPEP, que é um oligopólio essencial na defesa dos preços do petróleo no mercado internacional. Preferiu adotar uma posição neutra entre os interesses dos países exportadores de petróleo e os das grandes empresas oligopolistas internacionais e países da OCDE.

Nenhum grande país autossuficiente em petróleo privatizou sua empresa pública. A norueguesa Equinor é um bom exemplo de empresa pública controlada pelos Fundos de Pensão do povo norueguês.

Acontece que no governo FHC houve um ímpeto incontrolável para se introduzir mudanças na Constituição diminuindo nossa soberania sobre os recursos energéticos. Assim, em 1997, terminou o monopólio da Petrobras e foram introduzidas as concessões. Na sequência, com a participação da ANP, foi alterado o conceito de operadora única e veio o conceito da partilha, com 30% de participação da Petrobras. Por último, após o impeachment da presidente Dilma, caiu a obrigatoriedade dos 30% de participação da Petrobras.

A Emenda Constitucional de 1995, validada pelo STF em 2003, estabeleceu que os recursos do nosso subsolo passaram a pertencer a quem os produz.  E a Lei 9.478, de 1997, validada em 2004, estabeleceu, através de contorcionismos jurídicos, que a Petrobras tem que atuar de forma concorrencial.

No início da década de 2000 (2003 e 2004), a partir de um plano estratégico, a Petrobras descobriu o pré-sal, uma das maiores províncias petrolíferas da história, com capacidade inicial estimada da ordem de 80 a 100 bilhões de barris. Além de aportar para o Brasil uma autossuficiência definitiva em petróleo, tais recursos têm um potencial enorme de geração de riqueza que poderia propiciar ao povo brasileiro um salto qualitativo em termos sociais e econômicos.

Com o pré-sal em cena, com seu enorme potencial de lucros, aumentaram as pressões dos EUA, dos países da OCDE e da própria China sobre nossos governantes com vistas à aceleração da exploração de tais jazidas, com contribuição para o choque de oferta e derrubada dos preços da OPEP. Além disso, cresceram os olhos dos monopólios e oligopólios internacionais e também brasileiros para participarem da apropriação do excedente econômico gerado nos campos de petróleo, nas refinarias, nos gasodutos, através de variados regimes: privatização, concessão e partilhas. Teve início, assim, a destruição da Petrobras, patrimônio do povo brasileiro.

Na Arábia Saudita, o finding and lifting cost de um barril de petróleo é de USD 2. No Brasil, é de USD 8. O shale gas americano é de USD 16 a 17. Nossa produção é de três milhões de barris por dia (aproximadamente 1,1 bilhão de barris/ano), dos quais uns 20% já estão sendo produzidos por empresas estrangeiras como a Exxon, Shell, Equinor, Total, entre outras. O valor de venda no mercado internacional gira em torno de USD 80 por barril, o que produz uma receita anual potencial da ordem de USD 87,6 bilhões por ano.

Diversos grupos de interesse disputam o excedente do petróleo: os acionistas estrangeiros e brasileiros que já detém em torno de 63% do capital total da Petrobras (45% de capital estrangeiro e 18% de capital nacional), os oligopólios e monopólios estrangeiros, empresas brasileiras concessionárias e importadoras. Os mais prejudicados, como sempre, são os consumidores.

Em 2005, no governo Temer, a partir de uma proposta de Pedro Parente, a política de preços da Petrobras foi alterada para a PPI (paridade de preços de importação) o que faz com que, num contexto de elevados preços internacionais de petróleo, a Petrobras aufira lucros extraordinários (da ordem de USD 50/60 bilhões/ano) e o custo Brasil suba estratosfericamente, o que ainda é potencializado desfavoravelmente ao consumidor brasileiro em caso de desvalorização cambial do real em relação ao dólar.

De fato, a partir da gestão Temer, começou o desmonte da empresa. Venda de patrimônio a preços vis, descontinuidade de investimentos, etc.

Além disso, a concessão/privatização de campos de petróleo, gasodutos, refinarias e cadeias de distribuição geraram lucros para a Petrobras pela venda de ativos já amortizados contabilmente que favoreceram os acionistas, penalizando a empresa no futuro; um bom exemplo serão os custos futuros oriundos dos contratos de longo prazo para transporte de gás nos gasodutos privatizados.

Há propostas qualificadas de pessoas do ramo, como a do professor da USP, Ildo Sauer, ex- diretor da Petrobras, de que a Petrobras se reserve o direito de somente contratar a prestação de serviços no lugar das concessões e partilhas. Além disso, de não privatizar mais nada e de retomar as privatizações já realizadas.

É indispensável, também, o dimensionamento do efetivo potencial do pré-sal (o que seria possível com um investimento da ordem de USD 6 bilhões) e, a partir daí, estabelecer o ritmo de produção do petróleo de acordo com os interesses nacionais e repartir o excedente econômico em investimentos produtivos benéficos para o povo brasileiro.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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