Um mal atravessa o movimento evangélico brasileiro: a síndrome do Messias ausente. Este mal, na verdade, não é exclusividade do movimento evangélico brasileiro, ao contrário, se fez presente no judaísmo antigo e no correr de sua história, assim como no cristianismo. Judaísmo e cristianismo são religiões messiânicas, ambas esperam a aparição majestosa do Messias prometido.
No judaísmo bíblico há um momento especial que encarna e traduz esta síndrome. E isso se faz presente no relato de uma conversa entre o profeta Samuel e Adonai Elohim, o Deus de Israel. O profeta, frustrado, informa a Elohim que o povo quer um rei, deseja um regime como as nações ao redor. E Elohim diz para o profeta não se sentir derrotado, porque tal desejo não é contra o profeta, mas contra ele, Elohim. Ou seja, o povo quer um Deus presente, visível — o que é a ruptura de uma ordenança, “não terás outros deuses diante de mim”. O pedido de um rei, de uma monarquia e não mais a federação de tribos, de clãs, traduziu, naquele momento, idolatria. E assim, surgiu o primeiro rei de Israel, Samuel. E, no correr da história, os judeus viveram momentos dramáticos, quando a síndrome do Deus ausente e, por extensão, do Messias ausente fraturou a nação e, por extensão, a unidade do povo.
No cristianismo, a síndrome do Messias ausente foi contornada, não com muito sucesso pelos católicos, com a instituição do papado. E cada Papa, à sua maneira, tentou suprir a síndrome. Mas no protestantismo, este mal, que é antropológico e existencial, se faz social e está presente na proliferação de líderes que se ungem de uma dita messianidade e tentam cumprir um papel que não lhes cabe. Donde a resultante é a proliferação de cismas e a criação de agrupamentos cada qual com sua verdade, ou muitas verdades, todas nascentes da mesma revelação, as escrituras judaico-cristãs.
A grande tragédia da síndrome do Messias ausente foi vivida, nesta Modernidade recente, na Alemanha, com a ascensão de Adolfo Hitler. Líderes e parte da igreja protestante apoiaram o Fuhrer e seu projeto de construir um Reich que duraria mil anos. No que deu esta história todos nós sabemos.
No Brasil, neste evangelicalismo novo, tal síndrome antropológica e existencial se expressou com força maior durante a campanha de Jair Messias Bolsonaro. E ele, apoiado pelos profetas dos maiores conglomerados evangélicos, surge com a missão de fazer do Brasil um país evangélico.
É importante ver que, segundo pesquisa Datafolha, 31% da população brasileira é evangélica. E 48% destes votaram em Bolsonaro, como dissemos apoiado por lideranças importantes como o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, e o pastor José Wellington Bezerra da Costa, do Ministério Belém das Assembleias de Deus.
Mas como a promessa do Messias é escatológica, o mal que perpassa o movimento evangélico brasileiro leva ao drama. Drama este que se dá como dualidade. Em primeiro lugar traz a médio prazo uma frustração antropológica com o Messias presente, por este não cumprir a promessa de criar um novo tempo; e, posteriormente, a frustração existencial com o próprio movimento evangélico. Ou seja, se o Messias presente é falso, há algo de errado com a própria mensagem.
Esse drama vivido pela frustração com o Messias presente já se traduz em números. Segundo dados do IBOPE, o apoio que ele teve inicialmente caiu de 60% de aprovação para 41%. Ora, numa população de 220 milhões, os evangélicos são 68 milhões. Destes, 48% votaram nele. Mas, nesse momento, são 13 milhões os que ainda têm fé nele. Essa queda não significa que Bolsonaro não terá mais apoiadores entre os evangélicos, mas sim que a síndrome do Messias ausente, no caso brasileiro, já é um mal para milhões de pessoas e vai se traduzir muito rapidamente num problema para a igreja evangélica brasileira.
Quem viver, verá.