O aumento da taxa básica de juros é equivocado e incerto quanto ao controle da inflação, colocando em risco a recuperação econômica e podendo agravar a desigualdade social.
O regime de metas de inflação no Brasil foi instituído em junho de 1999 após uma crise cambial que resultou na desvalorização do real. Nesse sistema, o Conselho Monetário Nacional (CMN) define anualmente a meta de inflação, com um intervalo de tolerância. O Banco Central ajusta a taxa básica de juros (SELIC) para manter a inflação dentro desse intervalo. A meta em vigor é de 3% a.a., dentro do intervalo de 1,5% e 4,5%.
Interessante notar o seguinte:
- a) o CMN não tem cogitado alterar a meta de inflação, considerada por diversos economistas muito baixa para a realidade da economia brasileira. Ao que parece, a meta é fixada mais com base em dogma de excessiva cautela do que propriamente pautada em parâmetros macroeconômicos históricos. Excetuando-se o exercício de 2017 – quando a inflação foi de 2,95% (abaixo do centro da meta de 4,5%), por força de uma forte recessão econômica, com queda nos preços dos alimentos e uma política monetária mais restritiva nos anos anteriores – em nenhum outro momento, ela ficou próxima de 3%. Foi de 3,75% em 2018, de 4,31% em 2019, de 4,52% em 2020, de 10,06% em 2021, de 5,79% em 2022, de 4,6% em 2023 e com projeção de 4% para 2024.
- b) não existe um Comitê mais amplo e representativo da sociedade que discuta, com maior profundidade, tanto técnica quanto politicamente, a razão de ser e a eficácia de tal meta. O CMN é composto apenas pelo ministro da Fazenda, do Planejamento e presidente do Banco Central do Brasil, órgão que exerce a Secretaria Executiva do CMN e, portanto, meio que comanda o Conselho.
Em 21 de junho de 2023 a taxa de juros encontrava-se no patamar de 13,75% a.a., desde agosto de 2022. Em 2 de agosto de 2023, começou um ciclo declinante que perdurou até maio de 2024, quando estacionou em 10,5% a.a. Em setembro de 2024, aumentou consensualmente pelo COPOM para 10,75% a.a. Há no mercado o consenso de que esse é o início de um novo ciclo de alta, determinado pela forte resiliência da atividade econômica (acima do seu potencial), pressões no mercado de trabalho e elevação das projeções com o IPCA acima da meta de inflação.
É interessante notar que, coincidentemente, no dia 18 de setembro, ao contrário do COPOM, o FED reduziu em 0,5% a taxa de juros norte-americana para 4,75% a 5%, apesar da projeção do CPI – Consumer Price Index para 2024 com uma inflação de 2,5%, acima da meta deles, que é de 2% a.a. E observe-se que a economia americana se encontra com baixo desemprego e com elevado nível de atividade econômica.
Assim, ao que parece, e para regozijo dos democratas e contrariedade dos republicanos, o FED iniciou um ciclo de queda na taxa de juros. Já o COPOM, iniciou um ciclo de alta da taxa básica de juros, apesar de não existirem no Brasil previsões de descontrole inflacionário nem tampouco de crise fiscal. E a decisão foi unânime, muito provavelmente, para dar uma demonstração para o mercado financeiro de que a próxima administração do Banco Central não será leniente com a inflação.
Diz-se que as decisões do Banco Central do Brasil (BCB) são eminentemente técnicas, pautadas por modelos econométricos e estruturais, elaborados com base em uma combinação de teorias econômicas, estatísticas e projeções de cenários. Os principais modelos são:
- Econométricos, baseados em séries temporais, que visam prever o comportamento da inflação, do PIB, da taxa de câmbio, entre outros. Um dos mais usados é o modelo de projeção de inflação, que considera variáveis como a taxa Selic, o nível de atividade econômica, a inflação passada, e o câmbio para prever a inflação futura. Eles são ajustados para captar relações estatísticas entre diferentes variáveis econômicas, sendo úteis para gerar projeções baseadas em comportamentos passados.
- Equilíbrio Geral Dinâmico e Estocástico (DSGE), baseado em fundamentos microeconômicos, utiliza suposições como racionalidade dos agentes, expectativas de inflação e o comportamento intertemporal de consumidores e empresas. O modelo DSGE tenta capturar a interação entre diferentes setores da economia (consumo, produção, governo, etc.) e projetar a dinâmica da economia como um todo, levando em conta choques externos e internos.
- Expectativas Racionais, nos quais as decisões dos agentes econômicos são baseadas nas expectativas sobre o futuro. Esses modelos são considerados importantes pois ajudam o COPOM a prever como os agentes podem reagir a mudanças na taxa de juros e na política monetária, o que influencia diretamente as expectativas inflacionárias.
- Juros Neutros (R), baseado no conceito de taxa de juros neutra (R), que é a taxa de juros real que não acelera nem desacelera a economia. Embora essa taxa não seja diretamente observável, modelos econométricos ajudam a estimá-la com base no desempenho econômico e nas expectativas de crescimento e inflação, ajudando o Banco Central a definir o nível adequado de juros para controlar a inflação sem causar recessão.
Apesar de tais modelos serem baseados em métodos e teorias aceitas internacionalmente e aplicados por outros bancos centrais, sua confiabilidade e eficácia são bastante questionáveis. Como se sabe, nenhum modelo é capaz de retratar as complexidades da economia (volatilidade cambial, choques externos nos preços de commodities, incertezas fiscais, choques globais, etc.). Além disso, tais modelos dependem amplamente da formulação de premissas simplificadoras que na maioria das vezes são irreais (em especial, as expectativas de comportamento racional dos agentes e a estabilidade das relações entre as variáveis econômicas sujeitas a eventos externos incontroláveis e oscilações nos preços das commodities).
É notório, portanto, que o contexto político e econômico influencia as decisões do Banco Central, especialmente em momentos de crise ou de desalinhamento com a política fiscal. A complexa missão do Banco no controle da inflação, proteção do poder de compra da sociedade, estabilidade cambial, credibilidade da política econômica, de modo a evitar o superaquecimento da economia e zelar pelo emprego, requer capacitação técnica e muita intuição política.
No atual cenário econômico, o aumento da taxa básica de juros parece ser uma decisão equivocada e excessiva para o nível de inflação que o Brasil enfrenta. O risco de prejudicar a recuperação econômica e agravar a desigualdade é alto, enquanto os benefícios em termos de controle da inflação são incertos. Senão vejamos:
- crescimento econômico: o aumento da taxa Selic tende a encarecer o crédito, dificultando o acesso a financiamentos tanto para empresas quanto para consumidores. Isso pode inibir investimentos e o consumo, dois fatores essenciais para o crescimento econômico. Com a economia brasileira ainda mostrando sinais de recuperação pós-pandemia, uma política monetária mais rígida pode sufocar essa retomada e prolongar um cenário de baixo crescimento.
- Ineficácia do aumento dos juros no combate à inflação: a inflação no Brasil, em grande parte, tem sido impulsionada por fatores externos e de custo, como o aumento dos preços de commodities e da energia, além de questões relacionadas à desvalorização cambial. Essas pressões inflacionárias são menos sensíveis à elevação da taxa de juros, já que não estão relacionadas diretamente a uma demanda aquecida. Aumentar a Selic não resolve essas causas estruturais e pode, inclusive, ter um efeito limitado sobre a inflação.
- Impacto Fiscal Adverso: O aumento da Selic também gera uma pressão adicional sobre o gasto público, já que a maior parte da dívida pública brasileira está atrelada à taxa de juros. Com uma taxa mais alta, o custo da dívida sobe, agravando o déficit fiscal nominal e potencialmente, exigindo cortes em investimentos e em políticas sociais, o que poderia ter um impacto desproporcionalmente negativo sobre a população de baixa renda e o desenvolvimento de infraestrutura. Segundo o Plano Anual de Financiamento, a previsão era de que o estoque da dívida pública encerrasse 2024 entre R$ 7 trilhões e R$ 7,4 trilhões. No acumulado de 12 meses até julho deste ano, os juros nominais alcançaram R$ 869,8 bilhões (7,73% do PIB), comparativamente a R$ 641,3 bilhões (6,07% do PIB) nos 12 meses até julho de 2023.
- Alternativas de Combate à Inflação: Em vez de elevar a Selic, o governo poderia adotar medidas mais específicas para combater a inflação, como políticas fiscais mais coordenadas e iniciativas para lidar com gargalos de oferta. Além disso, uma maior coordenação entre a política monetária e fiscal poderia aliviar as pressões inflacionárias sem prejudicar tanto o crescimento econômico.
Por fim, não é nada cômodo para as autoridades públicas e muito menos para a grande maioria do povo da oitava economia mundial (excetuados os rentistas e as instituições financeiras) conviver, de forma desnecessária, com a segunda maior taxa real de juros dentre 40 países, como mostra o ranking do site MoneYou apresentado a seguir, já contemplando a recente elevação na taxa Selic que passou para 10,75% a.a.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
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