Geopolítica: análise da escalada das tensões

No início de agosto, a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, anunciou sua ida a Taiwan, aonde chegou no dia 2. O anúncio em si, e o pouso em Taipei em seguida, serviram para fazer escalar mais um degrau da crise geopolítica internacional, que já não é pouca nesse momento.

Desde o início do ano, já no mês de fevereiro, a entrada de tropas russas na Ucrânia – confrontando a ameaça às populações russas no leste daquele país mas, especialmente, os movimentos de aproximação ucranianos em relação a (OTAN) – já servira para fazer escalar de maneira expressiva as tensões geopolíticas a nível mundial. Só para recordar, a invasão russa no fim do mês de fevereiro foi precedida por uma visita do presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, à China, onde se encontrou com o dirigente máximo chinês Xi Jinping. Desse encontro, resultou uma declaração conjunta “Joint Statement of the Russian Federation and the People’s Republic of China on the International Relations Entering a New Era and the Global Sustainable Development”. A declaração conjunta reafirma uma série de pontos, afirma alguns novos, mas fundamentalmente ratifica e aprofunda uma aproximação diplomática, econômica, e em termos de defesa. Sem querer ser extenso, mas apenas para recordar um parágrafo curto e grosso do documento: “The sides reaffirm their strong mutual support for the protection of their core interests, state sovereignty and territorial integrity, and oppose interference by external forces in their internal affairs.” Forte apoio mútuo para a proteção de interesses centrais, soberania e… integridade territorial. Bem, como quem acompanha diplomacia conhece, mas não custa relembrar para quem só entra no tema de vez em quando, a China defende em todos os espaços a sua soberania territorial sobre Taiwan, considerada até hoje, a partir da Revolução Chinesa de 1949, uma “província rebelde”.

A base para o estabelecimento de relações diplomáticas com a China (e da própria Organização das Nações Unidas, que ao reconhecer a República Popular da China, automaticamente encampa essa tese) é assumir a visão chinesa de Taiwan como “província rebelde”. Idem para os EUA, que retomou suas relações com a República Popular da China no governo Nixon, no começo dos já distantes anos 1970. Apesar de manter suas relações de fato com Taiwan (econômicas, militares e outras) os EUA reconheceram, ao reatar com a China, a tese chinesa. Os russos, pela declaração conjunta, não só reconhecem a posição chinesa, mas apoiam a integridade territorial chinesa, o que quer dizer que, pelos termos da declaração, devem se posicionar e mover em apoio à reivindicação chinesa sobre a intitulada “província rebelde”.

Todos esses pontos não são novos, e eram de conhecimento não só do governo dos EUA (que formalmente se manifestou contra a viagem) quanto da deputada Nancy Pelosi. Assim, ao fazer a viagem, ela tinha absolutamente claras as consequências dos seus atos: de imediato, a dura reação diplomática chinesa de crítica à viagem, e as prováveis consequências de recados diplomáticos e militares que se seguirão. Como pano de fundo, o suporte russo às posições chinesas, enquanto a guerra segue na Ucrânia.

Consequências econômicas também devem advir, como novas desconexões entre cadeias globais de produção (lembrando que existe forte encadeamento produtivo entre China e Taiwan), com impactos em preços internacionais que já se encontram em alta (a inflação mundial deve recrudescer). O dólar também deve subir, assim como em função da subida da inflação, devem subir mais as próprias taxas de juros nos EUA, agravando o cenário econômico e financeiro internacional.

Vale lembrar, ainda, que vários países vinham propondo e/ou insistindo na ideia da mediação chinesa da guerra entre Rússia e Ucrânia, entre os quais os BRICS (dos quais o Brasil participa) e também países que tentam de certa forma mediar o conflito, como a Turquia. Com a subida de tom em uma área que já era uma importante frente de tensões (Taiwan está no Sul da China, e o chamado “Mar do Sul da China” é uma área complicada, onde as tensões entre EUA e China vinham escalando), e os termos da declaração conjunta Rússia-China, esse papel vai ficando inviável, e o mundo perde mais uma possibilidade de interlocução.

A ver o que vai resultar, a situação é muito complexa, e as reações chinesas de fato estão apenas começando. Mas esse movimento recente do tabuleiro entre EUA e China, que no fundo disputam a hegemonia no próximo período, agrava sobremaneira uma crise econômica, financeira e geopolítica que já não era das mais simples, e que agora subiu de tom.

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Maria Eduarda M. E Souza.
Clique aqui para acessar outros conteúdos do autor.