Números
Alguns números, como uma fotografia do avanço da vacinação no mundo. É apenas uma amostragem e por isso foram selecionados uns poucos países das Américas e da Europa e eliminados outros (Israel, Emirados Árabes…). No chamado mundo desenvolvido (Primeiro Mundo, Industrializado, a denominação que queiram), até o dia 4 de maio, Estados Unidos e Reino Unido se destacavam nitidamente, acompanhados pelo Chile na América Latina, os três com índices muito próximos.
Considerando as pessoas totalmente vacinadas, o Chile ocupava o primeiro posto com 36,1% da população vacinada, seguidos por Estados Unidos, com 32,1% e Reino Unido, com 23,4%.
Entre os vacinados com apenas uma dose, o Reino Unido salta para a primeira posição, com 51,3%, seguido de Estados Unidos e Chile praticamente empatados com 44,4% e 43,1% respectivamente.
Quando se considera o total de doses aplicadas por cada 100 pessoas, os três países selecionados entre os mais bem sucedidos estavam também muito próximos uns dos outros: Chile tinha 76,16 doses por cada 100 habitantes, Reino Unido 74,66 e Estados Unidos 74,62.
Do primeiro para o segundo grupo, a União Europeia, a distância é em geral muito significativa, ou mais ou menos significativa, conforme o critério de medição utilizado. Quando se considera, por exemplo, o total de doses por cada 100 pessoas, Estados Unidos e Reino Unido têm pelo menos o dobro de doses aplicadas que seus pares da União Europeia (e também o tem o Chile). A UE está com 35,92 doses em média por cada 100 pessoas. Alguns países têm índices ligeiramente melhores: Alemanha e Espanha, por exemplo, têm 38,91 e 38,32 respectivamente.
Dois outros países: Brasil e Índia. No total de vacinados o Brasil tinha, em 4 de maio, 6,9% da população vacinada, e a Índia 2,2%. Com ao menos uma dose, 14,6% e 9,4% respectivamente. Por cada 100 habitantes, Brasil, 21,49 doses e Índia, 11,59.
Entre todos os citados não há grandes diferenças entre as datas de início da vacinação, que se situam entre o dia 20 de dezembro de 2020 (os Estados Unidos) e 15 e 16 de janeiro de 2021, Índia e Brasil respectivamente. (Ver Our world in data)
Palavras e cargos
Tanto quanto os números e os gráficos, aos frades do neoliberalismo lhes encantam certos termos: gestão, por exemplo. Assim, é de se esperar que reinem, e reinem bem, no campo que escolhem para reinar. Mas parece que a realidade, outra das chaves dos seus discursos, não os está favorecendo.
Então, imaginemos duas empresas (já que estamos no universo dos empreendedores e do grande capital), ambas muito fortes e parelhas no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico, ao controle da infraestrutura, dos recursos produtivos, da aquisição das matérias-primas e, enfim, de todo o ciclo produtivo. Agora imaginemos que num determinado momento da vida dessas duas empresas elas se disponham (ou melhor, são forçadas) a empreender uma nova e desafiadora mercadoria (porque é sempre disso que se trata quando estamos falando de empresas, de mercadorias, ou não é?), sua produção e, logo, é claro, sua distribuição. E o que temos: de repente, mas não tão de repente assim, porque afinal todas elas tiveram muito, muito tempo para se prepararem, uma delas (ou duas…), no mesmo período que a outra (ou outras) consegue realizar o ciclo da produção entregando a tão aguardada mercadoria com o dobro da velocidade da outra (ou, o que dá no mesmo, numa quantidade duas vezes maior que a da irmã).
Aos executivos de uma empresa tão inepta quanto a(s) segunda(s), não restaria outra alternativa que não o sumário pedido de demissão. Aos primeiros sinais do fracasso a grita dos acionistas se faria intolerável. É assim que funciona (outras das palavras… já sabemos) no mundo real. E é uma regra implacável do universo dos gestores e afins. Agora mesmo, no entanto, a União Europeia está dando uma lição ao mundo de como escapar dessa regra. A gestora da empresa, nossa já conhecida Ursula von der Leyen (do Grupo do Partido Popular Europeu, centro-direita), segue comandando o fiasco e fingindo que tão maus resultados não são com ela. Mas seria diferente, talvez, se seus pares (ou sócios) e, o mais importante, os acionistas e os consumidores não a acompanhassem e, ao contrário, botassem a boca no trombone. Consumidores de um lado ao outro do continente, no entanto, e apesar dos efeitos sobre a economia, parecem hipnotizados pela paralisia, por qualquer forma de encantamento ou, como já disse aqui anteriormente, por uma até agora indecifrável autoindulgência (a economia dos Estados Unidos, além da japonesa e da coreana – onde a pandemia foi combatida desde o início com muito mais eficiência – já começam a decolar).
De forma geral, os jornais do Velho Continente, são uns o espelho dos outros, todos aparentemente muito satisfeitos com a administração do empreendimento (o ritmo da vacinação). Nenhuma crítica, nenhum resmungo. Nada. Apenas o respeitoso silêncio dos féretros, como é devido.
Palavras e patentes (o segundo passo)
Lá longe, na sede do Império, a turbulenta Disneyland volta a abrir suas portas para recepcionar a massa sedenta de consumidores. Sim, já, antes do início do esperado verão. Satisfeito com o sucesso do seu plano de vacinação (e a consequente retomada da economia), o presidente americano encampa a proposta de liberar as patentes dos multibilionários laboratórios farmacêuticos para que a vacinação possa ser realizada mais democraticamente no resto do planeta. Pobres laboratórios, dirão alguns, investem bilhões em pesquisa e na hora de colher os frutos aparecem os comunistas ansiosos para roubar o fruto de tanto esforço. A verdade é que quando se olha para além da permanente nuvem de fumaça que encobre os negócios do grande capital o que se descortina é outra realidade.
Uma matéria publicada aqui na Espanha revelava que a AstraZeneca, por exemplo, bancou menos de 3% dos custos de investigação que tornaram possível a sua vacina. A maior parte dos 120 milhões de euros investidos pela empresa, diz o texto, “vieram do governo do Reino Unido (45 milhões) e da Comissão Europeia (30 milhões), enquanto o resto procedia de entidades também financiadas com fundos públicos (centros de investigação) e fundações que apoiam a investigação científica” (El País, 16/04).
Esses dados, coletados pelos investigadores da organização independente Aliança de Universidades para Medicamentos Essenciais no Reino Unido, foram publicados em primeira-mão pelo The Guardian (estão pendentes de revisão por outros pesquisadores para que possam ser publicados numa revista científica) e serviram de base para uma carta enviada por 170 personalidades mundiais ao presidente americano Joe Biden, em meados do mês passado, pedindo a suspenção imediata e temporária de todas as patentes. Os dados são muito mais detalhados e não se resumem à vacina da AstraZeneca. A pesquisa destaca, por exemplo, um comunicado do próprio governo americano informando que havia destinado mais de 3,4 bilhões de euros para “desenvolvimento, ensaios clínicos e produção” da vacina da Moderna.
Frente à histórica decisão de Joe Biden (a se confirmar), qual a reação da União Europeia (ou, pelo menos dos seus executivos, encabeçados pela Sra. Von der Leyen)? Segundo informa uma das manchetes que vieram na sequência da decisão imperial, “Bruxelas se mostra disposta a debater a liberação das patentes (da vacina), mas vê com mais urgência permitir sua exportação”. (Sem comentários adicionais.)
PS: Pouco depois da manifestação de Bruxelas, a comandante em chefe e ex-paladina da justiça e do bem quando do outro lado o que se apresentava era o diabólico D Trump, Angela Merkel, decidiu ela mesma dar as caras para bater o martelo e dizer em alto e bom som: a Europa (ela) “se opõe ao plano de Biden de liberar as patentes das vacinas”. Passou muito pouco antes que fosse secundada pelo seu parceiro prefencial Emmanoel Macron. A reação dos mercados foi imediata, noticiam os jornais no anoitecer da sexta-feira, 7 de abril: as “ações da indústria farmacêutica que tinham caído com a notícia da proposta dos EUA se recuperaram com a posição de Merkel”.
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