Nos dias 17 e 18 de julho se realizou em Bruxelas, Bélgica, sede da União Europeia, a terceira cúpula entre os países da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e da UE (União Europeia). A declaração da Cúpula CELAC-UE (disponível em inglês no sítio web do Ministério de Relações Exteriores do Brasil), não apresenta grandes decisões, e parece que a reunião, mais do que tudo, foi muito formal e meio que “andou de lado”, sem grandes orientações para o futuro em qualquer direção.
Entretanto, a simples realização de uma reunião entre 57 países (os 30 desse lado do Atlântico e os 27 membros da União Europeia) sinaliza força, nesse momento de “neblina” na conjuntura internacional. Mais do que isso, sinaliza uma tentativa de voltar à cena de forma mais ativa por parte da União Europeia, o principal atingido, em última instância, com a guerra na Ucrânia. Por sinal, houve fatos novos na guerra durante a Cúpula, como o bombardeio da ponte que liga a Rússia à Crimeia e o fim do acordo entre as partes envolvidas para permitir que a Ucrânia exportasse grãos pelo Mar Negro, impactando mais profundamente os mercados referentes à girassol, milho, trigo e cevada.
Um resumo do que aconteceu em relação aos assuntos aparentemente mais “quentes” da conversa: resoluções esperadas sobre a modernização do tratado (na maior parte comercial) entre a UE e o Chile e a UE e o México; idem sobre o processo de paz na Colômbia; considerações genéricas sobre o processo eleitoral na Venezuela; expressão de preocupação com a paz no Haiti; e uma resolução sobre a guerra na Ucrânia que não cita a Rússia, o outro contendor, por conta dos posicionamentos de vários importantes países da América Latina e Caribe. Sobre paz, defesa da democracia e meio ambiente, houve muitas citações de resoluções no âmbito do Sistema Nações Unidas. Sobre o acordo em discussão entre o Mercosul e a UE, uma burocrática frase, “We take note of ongoing work between the EU and Mercosur”, algo como “Tomamos nota do trabalho em curso entre UE e Mercosul”, em uma tradução livre, ou seja, nada de muito relevante ou que indique o rumo da prosa, e isso para um acordo que, em teoria, está fechado, aguardando apenas a ratificação dos dois blocos.
No entanto, vale observar o ponto 28 da Declaração, que se refere ao chamado “Global Gateway”, a “Porta de Entrada Global”. Em uma tradução livre, este ponto diz o seguinte: “Reconhecemos a contribuição potencial da Agenda de Investimentos “Porta de Entrada” Global (Global Gateway Investment Agenda) da UE-América Latina e Caribe, que abordará as lacunas de investimento de acordo com as prioridades comuns da UE e da América Latina e do Caribe, com o objetivo de mobilizar capital privado e financiamento público para o desenvolvimento sustentável, incluindo transformação digital, educação, infraestruturas de saúde, produção de energia, perspectivas ambientais, matérias-primas e cadeias de valor locais.”
A introdução desse ponto traz formalmente a América Latina e o Caribe para essa iniciativa global da União Europeia, que está sendo articulada com diversos outros países e regiões. O Global Gateway europeu é uma iniciativa análoga à iniciativa UCUR (“Um Cinturão, uma Rota”, iniciativa também conhecida como “Nova Rota da Seda” chinesa). Essa última articula conexões de diversos níveis, mas em especial centrada nos temas de integração comercial e econômica e das cadeias de produção, infraestrutura e logística, entre os países que assim o desejarem e a China.
O Global Gateway tenta sinalizar o mesmo em relação à União Europeia, viabilizando o investimento europeu em infraestrutura e parcerias econômicas, e a integração maior de países e regiões à economia europeia, baseado em uma proximidade de “princípios”, como defesa dos direitos humanos e a sustentabilidade ambiental. Assim, a introdução desse ponto na declaração final da Cúpula não deixa de sinalizar uma nova tentativa de protagonismo por parte dos europeus em um cenário internacional que vai se apresentando já estreito em função da disputa de hegemonia entre os EUA e a China.
A União Europeia sinaliza o aporte de cerca de € 300 bilhões a esta iniciativa, que tentaria vir “comendo pelas beiradas”, priorizando países com os quais os europeus têm fortes laços em função do passado colonial, em especial na América Latina e Caribe e na África. Tentam se manter ativos na disputa internacional pelo protagonismo político e nos negócios, em um momento em que sofrem com a guerra em território europeu e seus efeitos inflacionários e sobre a transição energética europeia que, até pouco mais de dois anos atrás, enfatizava muito a utilização do gás russo, que agora é visto como problemático.
Enfim, se não fosse por essa tentativa de novidade, o encontro de Cúpula CELAC-UE passaria como muito morno. A ver se esse ponto introduzido representa de fato alguma novidade no próximo período. As Cúpulas entre CELAC e UE devem ser a cada dois anos a partir de agora, e a próxima será desse lado do Atlântico. Veremos se algo caminha até lá, e se teremos mais elementos para ver o que podem representar.
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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