A posição nada democrática da FIESP

Ilustração: Mihai Cauli

Todos nos lembramos das manifestações na Avenida Paulista em 2015 e do famoso pato amarelo em frente à FIESP, a federação industrial paulista. Além de campanha explícita contra os impostos, o pato era a expressão do programa renegado da instituição, que em 2011 havia acordado com o governo Dilma exatamente o programa que agora atacava. Era o chamado “Brasil do Diálogo, da Produção e do Emprego”, onde havia, em troca de um compromisso nunca realizado de ambicioso programa de investimentos, o compromisso do governo federal com desoneração fiscal, redução dos juros, incentivo às compras governamentais de produtos nacionais, aumento do crédito, proteção tarifária (em especial frente à entrada de produtos chineses) e contenção dos aumentos dos preços da energia elétrica e dos derivados de petróleo.

Quatro anos (e uma reeleição) depois, o programa combinado em 2011 levaria a uma crescente fragilidade fiscal, a uma inflação de preços da energia represada (e que teve a “barragem” aberta a partir da gestão de Joaquim Levy no segundo governo Dilma, com forte elevação da taxa de inflação e, dentro da política de metas de inflação, forte elevação dos juros) e a lucros embolsados pelos empresários, que não efetivaram os investimentos com os quais se haviam comprometido. No caso das empresas internacionais, esses recursos se transformaram em geral em fortes remessas ao exterior para salvar a pele de suas matrizes, atingidas pela crise financeira de 2008.

Os empresários, FIESP à frente, aderiram ao pato fiscalista, à campanha pelo impedimento de Dilma e, na sequência, à “Ponte para o Futuro” de Michel Temer, vice-presidente levado à Presidência. Em seguida, parte deles embarcou na candidatura Bolsonaro, completando a transição rumo à truculência neoliberal.

Agora, em 2021, a FIESP, em meio à crise de grandes proporções do governo Bolsonaro, em especial, a combinação da crise econômica com a crise sanitária e a falta de qualquer perspectiva democrática, parecia começar a trilhar o caminho de buscar uma alternativa, articulando juntamente com outras organizações empresariais um manifesto em defesa da democracia e do equilíbrio entre os poderes, que teve algumas versões divulgadas na grande imprensa e nas redes sociais. Nenhuma definitiva, todas muito insípidas. Mas de qualquer maneira, seria ao menos uma sinalização da defesa da democracia, ao menos um rumo sendo apontado, uma posição de princípio. No final das contas, nem isso. Em uma explicitação de sua posição nada democrática, a FIESP pura e simplesmente parece ter sentado em cima do manifesto, sem consultar os demais signatários sobre o que fazer.

Esse caminho parece, mais do que qualquer coisa, expressar as divisões no mundo empresarial sobre os rumos a tomar e a fragilidade desses mesmos setores empresariais face à pressão de um governo que joga todas as suas cartas na permanente ameaça de radicalização e ruptura institucional. Aparentemente, o processo começou com a ameaça de rompimento com a Febraban da Caixa Econômica e Banco do Brasil, bancos públicos, e passou por divisões dos setores empresariais, alguns sob ameaça do governo federal, e divisões também no agronegócio. Mas, o que fica evidente dessa confusão toda é que a democracia, o funcionamento democrático da sociedade brasileira, não é um princípio norteador para o mundo empresarial do país que justifique cerrar fileiras em sua defesa. Bastou ao governo, mesmo enfraquecido, mostrar cara feia, para os setores empresariais recuarem de maneira desmoralizante, com algumas raras e honrosas exceções.

Um debate antigo, que parecia ter ficado em um passado distante, dizia que o empresariado de economias periféricas não tinha a capacidade de levar adiante as tarefas democráticas, que tinham que ficar de ser conduzidas por outras forças sociais, em especial as representações dos trabalhadores. Parecia, pois as idas e vindas do empresariado brasileiro e sua incapacidade de se unir ao menos em defesa da democracia mostra que esse debate é mais atual do que nunca, em um Brasil que parece retroceder a passos vistos. O “desaparecimento” do tal manifesto é só mais uma clara demonstração disso.

Em um país cada vez mais sem rumo, sem coesão e sem projeto, o empresariado parece cada vez mais se afastar da condição de protagonista da disputa e passa para o segundo plano. Uma força que em quase qualquer lugar do mundo disputa o protagonismo, no Brasil não parece se unir em torno dos princípios mínimos da democracia. Uma lição a ser aprendida, para pensar o futuro. Talvez o tal pato seja de fato um importante símbolo, bem representativo.

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