Não há dúvidas (do ponto de vista negativo) sobre a excelência da atual Chancelaria brasileira: talvez a pior de todos os tempos. Fala-se abertamente na retirada do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, motivada por uma série de fatores, em especial uma agressiva e permanente movimentação contra a China, nosso principal parceiro comercial, sócio mais importante do agrupamento BRICS (Brasil-Rússia-Índia-China-África do Sul), com o qual o Brasil tem importantes laços econômico-financeiros, entre os quais o Acordo Contingente de Reservas (uma proteção contra fuga de capitais e crises de balanço de pagamentos) e o Novo Banco de Desenvolvimento (conhecido popularmente como o Banco dos BRICS, agência financeira multilateral criada pelo grupo dos cinco países).

Outra motivação para a retirada de Ernesto Araújo é o alinhamento automático não com os EUA, mas com o Governo Trump, complicando ainda mais nossas relações com aquele país agora que mudou o governo, inclusive com tentativas estabanadas do ex-presidente Trump, em seus estertores na administração, de promover puxadas de tapete jurídico-políticas e rupturas institucionais.

Entretanto, pouco se fala de um processo com enormes consequências para o país (e para o Mercosul) que esse governo tenta fechar de maneira açodada, para apresentar como elemento de sucesso de sua política externa: o Acordo Birregional de Associação entre Mercosul e União Europeia. Composto por três pilares – diálogo político, cooperação e livre-comércio, mas na realidade centrado em um acordo comercial, o acordo teve suas negociações concluídas no começo do governo Bolsonaro, em 2019, e se encontra desde então, formalmente, em fase de revisão jurídica e tradução, para entrar em processo de aprovação pelo Parlamento Europeu, pelos parlamentos nacionais nos países da União Europeia, e pelos parlamentos dos países do Mercosul.

O governo Bolsonaro fez as últimas concessões liberalizantes e retirou os questionamentos que eram feitos pelo Brasil (e que mesmo o governo Temer, extremamente liberal, não havia tido o desplante de encaminhar), e caminhou para fechar rapidamente as negociações com os outros países do Mercosul, para aproveitar o último período do governo Macri na Argentina, antes da já àquela altura muito provável vitória oposicionista.

O acordo, para quem gosta de falar em desindustrialização, é uma pá de cal em qualquer pretensão manufatureira por parte do Brasil e demais países do Mercosul: estamos condenados a ser uma grande fazenda.

O acordo é de matriz colonial. Os países do Mercosul se especializam em ampliar a produção (e exportação) de produtos primários – commodities agropecuárias, minerais e energéticas, em troca de abrir mercados a produtos industriais da União Europeia, ampliar garantias para investidores daqueles países na área de investimentos financeiros e propriedade intelectual, abrir o mercado de serviços dos países do Mercosul (saúde, educação, finanças e seguros, saneamento, transportes, telecomunicações e outros) e abrir espaço para os fornecedores europeus na área de compras de governo, tema que o Brasil também está ofertando na Organização Mundial do Comércio, abrindo mão de utilizar esse importante mecanismo, as compras públicas, para políticas de desenvolvimento futuro.

Como todas e todos sabemos, a expansão da produção agrícola, mineral e energética tem ao menos três efeitos conhecidos. Primeiro, é concentradora de renda, riqueza e poder, no caso do Brasil, contribuindo para piorar uma das maiores concentrações de renda do mundo.

Além disso, compromete nosso potencial de incorporação de população aos ganhos do desenvolvimento, uma vez que é uma produção não inclusiva e que demanda menos educação e cultura, comprometendo nosso desenvolvimento futuro, inclusive científico e tecnológico.

Finalmente, tem complicadas consequências do ponto de vista ambiental, pressionando a ocupação das áreas de reservas florestais e sociais (áreas indígenas, quilombolas, de populações tradicionais e outras) ainda existentes no país, exaurindo as terras, as águas, e ampliando uma matriz produtiva que no Brasil é intensiva em insumos (adubos, pesticidas e outros) de impacto fortemente negativo do ponto de vista ambiental.

Evidentemente que esse modelo desenhado no acordo tem total relação com a política extrativista e de uma produção agropecuária sem regulação e controle, tão ao gosto do Governo Bolsonaro.

Entretanto, os impactos ambientais da política do Governo Bolsonaro, com as queimadas em vários biomas brasileiros, em particular Amazônia e Pantanal, chamaram a atenção da sociedade civil da União Europeia, e de seus políticos, para o fato de que o acordo ampliaria o problema.

Esse movimento fez com que entrasse areia nas engrenagens para uma aprovação rápida do acordo, e com isso, até aqui, se ganhou tempo. Esse tempo tem funcionado para a ampliação de campanhas, na União Europeia e também nos países do Mercosul, de resistência ao acordo, que vai incluindo amplos setores da sociedade civil, entidades que vão se juntando em frentes políticas para resistir à assinatura do acordo.

É muito importante, nesse momento, que os parlamentares na União Europeia e nos países do Mercosul percebam os efeitos nefastos de levar esse acordo adiante e busquem abrir uma discussão séria e transparente sobre o tema nos parlamentos, incorporando a ela os setores da sociedade civil que vêm se movimentando nessa resistência.