Como escreveu Maria Hermínia Tavares, para um humanista, deveria ser fácil tomar posição frente ao conflito entre Israel e o Hamas. Israelenses e palestinos, cada um, têm o direito a um Estado no espaço que ambos consideram seu. Mas o que deveria ser fácil é tudo menos isso. Como disse a professora, “o ataque da organização terrorista contra moradores dos kibutzim próximos à Faixa de Gaza só merece repúdio. O mesmo se aplica à destruição de moradias e instalações públicas, ao sofrimento agravado pelo bloqueio de luz, acesso a mantimentos e água e –acima de tudo– às mortes por atacado de civis, resultantes do revide de Israel à atrocidade de 07/10″. (Folha de São Paulo, 08/11/2023)
Está difícil encontrar as saídas políticas. As soluções militares não servem, não ajudam. Uma das pedras a serem retiradas do caminho é o governo de extrema direita israelense que, desde 1996, com pequenas interrupções, assumiu o poder no país. Netanyahu e Hamas enterraram o Acordo de Oslo e o sonho que ele trazia. O slogan da paz foi substituído em Israel pelo da “Segurança é Paz”. Uma vez mais trazendo Maria Hermínia Tavares, a professora resume o assunto: “Netanyahu, os colonos fundamentalistas e o Hamas são feitos da mesma lama da extrema direita”.
Mas, nos escombros desta guerra bárbara, não existem apenas redes de túneis e bombas, há movimentações políticas que podem interromper este jogo de “perdem todos”. Com bastante coragem, o Haaretz, um dos principais jornais do país, pede a exclusão da extrema direita do governo israelense, em plena guerra. Seria um passo importante para a paz e a retomada do caminho para a construção de dois Estados independentes. A saída destas hordas fascistas obrigaria a composição de um novo governo. O Editorial transcrito na íntegra fala por si mesmo.
Editorial do Haaretz de 08/11/2023: Afastar a extrema direita israelense
O comentário feito no domingo pelo ministro do Patrimônio, Amichai Eliyahu (Otzma Yehudit), de que existe a opção de lançar uma bomba nuclear sobre a Faixa de Gaza, não é um problema para a diplomacia pública israelense, mas sim para a realidade de Israel.
O problema não é uma declaração em particular, mas o poder e a legitimidade de que goza hoje, em Israel como um todo e no governo, a extrema direita judaica messiânica kahanista, que apoia a anexação, a ocupação e a oração judaica no Monte do Templo, vê a guerra atual como uma oportunidade e desconsidera a comunidade internacional, as instituições internacionais e as leis de guerra.
Não foi um lapso. Em uma entrevista para a Rádio Kol Barama, Eliyahu afirmou que “não há [civis] não envolvidos” na Faixa de Gaza. Quando seu entrevistador perguntou se isso significava que Israel deveria lançar uma bomba nuclear sobre a Faixa, ele respondeu: “É uma possibilidade”. E seu posterior “esclarecimento” – “É evidente para qualquer pessoa sensata que o comentário nuclear era metafórico” – é ridícula. Uma metáfora de quê?
Tampouco é uma exceção isolada. O parlamentar Yitzhak Kroizer, colega de partido de Eliyahu, declarou no domingo para a Rádio do Exército que “a Faixa de Gaza deve ser arrasada e deve haver uma sentença para todos os que estão lá: a morte. Temos que apagar do mapa a Faixa de Gaza. Não há inocentes lá”. Setores inteiros do governo pertencem à perigosa extrema direita: Bezalel Smotrich, Itamar Ben-Gvir, Simcha Rothman, Orit Strock, Avi Maoz, Zvi Sukkot, Limor Son Har-Melech e seus cúmplices.
A reação do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, foi pouco convincente. Ele disse que a declaração de Eliyahu estava “desconectada da realidade” e que o ministro ficará proibido de participar das reuniões do Conselho de Ministros até nova ordem. Ele deveria ter demitido Eliyahu, mas optou por não fazê-lo; ele priorizou proteger seu governo em vez de proteger Israel.
Netanyahu não é a solução, mas sim o problema. Ele legitimou o kahanismo e a extrema direita. Ao longo dos anos em que ele está no poder, Israel tornou-se mais extremista e pessoas que antes eram párias detestáveis agora ocupam cargos elevados no gabinete. Ideias e valores que antes estavam fora do consenso, como a “transferência” dos árabes para fora de Israel, uma segunda Nakba e a oração judaica no Monte do Templo, foram normalizados sob a liderança irresponsável de Netanyahu.
Foi Netanyahu que deu legitimidade às alianças políticas com admiradores do rabino Meir Kahane, do assassino em massa Baruch Goldstein e do assassino da família Dawabsheh. Sob sua liderança, os colonos começaram a focar na zona B da Cisjordânia, que, conforme os Acordos de Oslo, está sob o controle de segurança israelense e controle civil palestino. E os colonos radicais “jovens das colinas” deixaram de ser um alvo dos serviços de inteligência e segurança Shin Bet para servir como ministros, membros da Knesset assistentes e conselheiros.
Os membros da extrema direita no governo pintaram com suas cores todo o governo e todo Israel. A única maneira de resolver o problema é afastar a extrema direita do governo e dos limites da legitimidade israelense. A única maneira de repudiar a declaração de Eliyahu é repudiá-lo a ele e aos que são como ele. Os partidos Otzma Yehudit e Sionismo Religioso devem ser expulsos imediatamente do gabinete ministerial. (Publicado na Cxtx traduzido para o espanhol por Paloma Farré).
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Tradução e Revisão: Celia Bartone
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