Um virtuoso processo de transformação para o mundo do trabalho, sob a ótica dos trabalhadores, requer uma dinâmica de desenvolvimento econômico assentada no incremento da produtividade que combina educação, inovação tecnológica e investimento. A visão estratégica é a de mobilizar missões transformadoras para gerar uma dinâmica econômica de agregação de valor e frentes de expansão produtiva, orientada pela difusão do incremento da produtividade do trabalho e que tenha como objetivos constitutivos a geração de empregos de qualidade, o crescimento dos salários e a promoção da proteção social, trabalhista e previdenciária.

Essa dinâmica econômica transformadora deve ser estimulada, sustentada e favorecida por um sistema de relações de trabalho, um sistema sindical e um sistema de solução de conflitos moderno, conectados com as mudanças no mundo do trabalho e capazes de regular, ao mesmo tempo, a forma de produzir com aumento da produtividade e a distribuição do produto econômico do trabalho.

O desafio é desencadear e sustentar processos de mudanças, durante um período adequado de transição, para que esses três sistemas se conectem com o objetivo de responder simultaneamente às demandas de flexibilidade, de qualidade do trabalho e de proteção efetiva de todos os trabalhadores.

Redesenhar e projetar um sistema universal de proteção social, laboral e previdenciário que garanta aos trabalhadores a plena seguridade para as diversas formas de ocupação é uma tarefa essencial. Formular a articulação das políticas e programas a partir da perspectiva do mundo do trabalho significa garantir educação de qualidade desde a creche até a transição escola/trabalho e sua continuidade durante a vida laboral; garantir a proteção de renda diante da desocupação, do acidente, do problema de saúde e da maternidade; universalizar o acesso à aposentadoria a partir de certa idade, independentemente da contribuição; garantir o emprego como direito fundamental.

Essa concepção de sistema de proteção integrado exige articular e, algumas vezes, redesenhar os atuais programas e políticas de renda e proteção existentes, reorganizando-os e formulando novos instrumentos que garantam seguridade laboral efetiva durante toda a vida.

Essa seguridade universal e permanente é a contraface básica à demanda por flexibilidade do sistema produtivo e à heterogeneidade das formas de ocupação. Cabe ainda a complexa tarefa de construir os mecanismos de financiamento e as regras de acesso às proteções.

A negociação permanente das regras de funcionamento, de monitoramento e de gestão do sistema de proteção será tarefa de uma organização sindical nacional, capaz de mobilizar e de representar o interesse geral da classe trabalhadora, especialmente daqueles que hoje não têm a proteção sindical da convenção ou do acordo coletivo. As Centrais Sindicais devem se colocar como instrumento dessa representação ampliada para materializar os interesses dos trabalhadores em pautas e propostas sindicais que deem protagonismo político à metade da força de trabalho ativa do país que se faz presente no mundo do trabalho de forma distinta do assalariamento clássico. Para isso precisam enfrentar e superar tarefas complexas do ponto de vista organizativo e de mobilização.

Para a outra metade da classe trabalhadora, assalariada e que conta com algum tipo proteção sindical, há transformações que precisam ser promovidas. O sistema de relações de trabalho, que define as regras para conformar as representações de interesse e processar as negociações coletivas, precisa colar no mundo do trabalho heterogêneo e em mudança. As exigências de transformações na organização sindical devem visar a expansão da base de representação para as diferentes formas de organização do sistema produtivo e de terceirização, constructos que segmentam e integram processos e cadeias produtivas que distanciam os trabalhadores dos atuais sindicatos.

A busca permanente pela ampliação da adesão voluntária realizada pela sindicalização visa a aumentar a representatividade das entidades. Favorecer processos de agregação dos trabalhadores em categorias por ramo de atividade, em um sistema sindical que recepciona o trabalhador ao longo de toda a sua vida laboral, independentemente das profissões e formas de ocupação que cada um venha em cada momento e durante toda a vida de trabalho.

Esse sistema sindical robusto, agregador, amplo e representativo deve inovar com a proposição e criação de âmbitos de negociação que estejam articulados e coordenados desde o nacional até a local/empresa, passando pelo setorial e pela cadeia produtiva. Novos âmbitos de negociação que também demandarão uma resposta organizativa consistente e inovadora para representar o interesse de uma nova base de representação.

Fortalecer a negociação coletiva significa desenvolver as regras e instrumentos dos processos negociais, subsidiar a formulação dos conteúdos negociados e tratar de resolver diretamente os conflitos. Trata-se de dar às partes interessadas a autonomia efetiva e ampla para a regulação a partir dos marcos legais.

Uma maneira de avançar no fortalecimento da negociação coletiva é criar um espaço institucional autônomo de interesse público para regular e fazer a gestão do sistema de relações do trabalho, que fortaleça a negociação coletiva, o funcionamento do sistema sindical e de solução de conflito. Esse espaço poderá ser ocupado por câmaras autônomas que regulam a organização do sistema de representação de cada uma das partes interessadas, bem como, de maneira conjunta, definir as regras e procedimentos para os âmbitos e processos negociais.

A representação e a negociação dos servidores públicos devem seguir, de maneira equivalente e com base no direito administrativo, as diretrizes acima, como inclusive já consignado no Projeto de Lei em trâmite no Senado Federal (PL 711/2019). O fortalecimento da negociação coletiva no setor público poderia ganhar novo patamar de efetividade se fosse desenvolvido como parte de um órgão dedicado à política de gestão de pessoas no setor público que tratasse de seleção, formação, avaliação, carreira, condições de trabalho e remuneração.

O desafio é implementar um processo de mudança e de transição que favoreça e estimule transformações no sentido das inovações que se busca promover. Trata-se de construir, por meio do diálogo social, o caminho, os caminhantes e a forma de caminhar.

Focar o processo de mudança para o fortalecimento e a valorização da negociação coletiva como um instrumento central do sistema de relações de trabalho para regular o emprego e os salários, as condições de trabalho, a distribuição da produtividade, o combate às desigualdades, as mudanças no mundo do trabalho, são dimensões que devem compor uma concepção de desenvolvimento econômico e social.

Essas questões estão na agenda de debate sobre relações de trabalho em muitos países. Nesse sentido, um estudo muito interessante elaborado pela OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – trata sobre o estado da arte da negociação coletiva em  36 países, a partir do princípio de que a negociação coletiva é um direito fundamental, assim definido pela OIT – Organização Internacional do Trabalho, colocando-se como instituição fundamental do mercado de trabalho para promover o equilíbrio entre a flexibilidade demandada pelo sistema produtivo e as proteções pautadas pelos trabalhadores e cumprindo três funções essenciais, a saber:

  • Função inclusiva que trata dos reajustes salariais para preservar o poder de compra; dos aumentos dos salários para incorporar os ganhos de produtividade; dos benefícios associados ao transporte, alimentação, saúde, educação; da regulação da jornada e do tempo de trabalho; dos investimentos e políticas voltadas para a formação profissional.
  • Função de gestão de conflitos para tratar dos problemas presentes nas relações e gestão do trabalho desde o chão da empresa, passando pelas relações laborais setoriais, com impactos relevantes sobre a redução da judicialização dos conflitos laborais.
  • Função de proteção em termos da segurança no emprego; da observação das condições de trabalho; das medidas para garantir a saúde e segurança; as iniciativas para atuar em relação aos impactos das inovações tecnológicas; das políticas voltadas para as proteções sociais, laborais e previdenciárias.

Observa-se que a negociação coletiva pode ter impacto sobre a dispersão salarial e as desigualdades de rendimento, seja afetando diretamente o emprego, seja influindo na gestão dos salários setorialmente ou no nível da empresa, com impactos fiscais e nos sistemas de proteção trabalhista e previdenciária.

Investir na melhoria da relação laboral entre trabalhadores e empregadores, privados e públicos, é um desafio e uma atribuição relevante que pode ser tratada por meio de instrumentos de autorregulação, que definam e desenvolvam regras e procedimentos para empoderar a negociação coletiva e garantir segurança jurídica aos contratos coletivos, frutos do diálogo social assentado na boa-fé das partes interessadas para dar tratamento adequado aos conflitos presentes nas relações de produção e de distribuição do produto coletivo do trabalho de todos. Essa concepção busca promover estabilidade e paz às relações de trabalho, gerando impactos relevantes à eficiência do sistema produtivo, de incremento da produtividade e de qualidade de vida aos trabalhadores.

Ter sindicatos fortes, representativos, de ampla base de representação, é condição essencial para que a negociação coletiva cumpra travar a concorrência salarial espúria entre empresas, fenômeno que ocorre quando aumentam seus lucros através da redução da taxa de salários e da precarização das condições de trabalho, saúde e segurança. A representação coletiva forte e bem organizada atua para limitar e inibir o poder monopsônico (a força de um só) das empresas na relação desigual com o trabalhador individualmente, reequilibrando a força dos trabalhadores através do poder coletivo para superar desigualdades na relação e combater a assimetria de informação.

Formas de organização sindical com mais ampla base de representação coletiva e com estratégias negociais setoriais atuam para reduzir desigualdades salariais e de condições de trabalho, com impactos mais robustos para mulheres, indígenas, trabalhadores fora do padrão, jovens e imigrantes.

As características do sistema de relações de trabalho e de negociação coletiva podem ter incidência virtuosa sobre o desemprenho econômico e social do desenvolvimento, favorecendo a inovação e o aumento da produtividade, bem como melhorando as condições de vida da coletividade. Um exemplo de repartição do crescimento econômico e da produtividade do trabalho é a redução da jornada de trabalho que, além de favorecer que todos tenham emprego, traz impactos substantivos sobre o tempo livre dos trabalhadores, sobre as múltiplas atividades que se expandem a partir da demanda em termos de consumo e de serviços, gerando o aumento do bem-estar e retornando com impactos positivos sobre a produtividade do trabalho.

Do mesmo modo, políticas gerais como a do salário mínimo, ou políticas de proteção dos empregos, de saúde e segurança, entre outras, têm relação direta com a qualidade dos conteúdos tratados pela negociação coletiva e com a condições trabalhistas gerais.

Investir no fortalecimento da negociação coletiva em todos os níveis robustece a cultura política geral do diálogo social como instrumento e prática para tratar das questões nacionais ou estruturais, para construir projetos e compromissos mais amplos com impactos gerais para toda a sociedade.

Por tudo isso, a autorregulação deve investir na qualidade do sistema de relações de trabalho e da negociação coletiva observando a complexidade do sistema produtivo e dos processos de trabalho das diferentes organizações do setor privado e público. Investir no desenho dos âmbitos ou níveis da negociação, definindo-os como espaço capaz de regular as relações em um contexto situacional, implica na formulação pactuada de âmbitos que podem ser nacional, intersetorial, setorial ou por empresa. Para cada um deles, definir atribuições de conteúdos e procedimentos. Esses âmbitos devem ser complementares entre si e terem níveis de coordenação e de articulação. Os sistemas podem combinar processos mais centralizados (nacional ou setorial) com processos mais descentralizados (por empresa ou estabelecimento).

A articulação entre os âmbitos define a hierarquia ou a subordinação entre os níveis, entre o que prevalece na relação da convenção nacional ou setorial com o acordo no âmbito da empresa. Se há, por exemplo, possibilidade de derrogação de cláusulas ou se são possíveis acordos específicos diante de crises que afetem as empresas.

As negociações coletivas celebram contratos, convenções ou acordos coletivos que pactuam direitos e compromissos, sendo fundamental definir quem será abrangido pelos instrumentos normativos coletivos no âmbito de representação dos trabalhadores e das empresas, se todos ou uma parcela (somente os filiados). No Brasil a regra define que todos os trabalhadores e todas as empresas abrangidos pelo âmbito de negociação podem participar e deliberar sobre os processos negociais e são beneficiados pelos resultados, devendo cumpri-los.

Os sistemas nacionais de relações de trabalho podem ainda conter regras para o poder público estender os efeitos de uma norma coletiva para uma base maior que aquela definida para o instrumento específico como, por exemplo, a convenção coletiva de uma categoria X ser aplicada aos trabalhadores inorganizados que não contam com a proteção sindical.

Importante observar em cada experiência qual o grau de coordenação e de articulação entre os âmbitos de negociação, as formas de organização das representações de trabalhadores e empregadores e os procedimentos que processam o diálogo social para sistemas mais atomizados e descentralizados, ou para sistemas mais centralizados, ou ainda para sistemas que combinam centralização e descentralização, observando-se atribuições e limites.

Compõem a cultura política do diálogo social o princípio do bom relacionamento assentado na boa-fé das partes, o direito de organização dos trabalhadores, a garantia contra práticas antissindicais, o direito de acesso à informação, o direito de greve e os mecanismos de solução de conflito ou de impasse, tais como a mediação e a arbitragem.

Por fim, devemos conceber o sistema de relações de trabalho e de negociação coletiva como parte das instituições da democracia de um país, do processo de deliberação e de escolhas, com diálogos bem estruturados a partir de organizações representativas. Dessa maneira, se amplia a capacidade de a sociedade fazer da política um instrumento de construção do seu presente e de formular compromissos para construir o seu futuro.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli
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