Agonia é desespero consciente. Só acontece quando se sabe da proximidade da morte. Quando se sente seu hálito. Agonia foi o que vi e senti nos quase dez minutos de vídeo em que um policial de Minneapolis asfixia George Floyd, que cometeu o crime de ter a cor errada.

Vi, antes de ler as notícias. Era só uma das tantas imagens que recebo via whatsapp e vejo sem saber, de saída, se é algo sério ou piada. O incômodo veio rápido. Piada não era. O que era aquilo? Quem eram? O que aconteceu? O que viria? Visto tudo, não veio nada que já não estivesse lá, desde o início. Assassinato, racismo, indiferença, impotência. Sufocando segundo a segundo. Matando aos poucos. Agonia física de lá. Agonia moral de cá.

Quem sofre na pele o racismo, agoniza moralmente a cada olhar de nojo, desconfiança ou soberba. Como se a cor lhe escondesse a humanidade. A tal ponto que, visível, não é visto. Vivo, não é respeitado. No extremo da invisibilidade, a agonia moral vira física. Com joelho no pescoço. Outros, não sofrem na pele, mas sofrem no espírito com o sofrimento alheio.

Há os que não se perturbam com isso. Gente que não faria algo assim. Que não apoia, mas também não permite que uma imagem dessas lhe estrague o café com broa. Outros, morrem um pouco com a morte alheia. De raiva, tristeza ou medo. Às vezes os três juntos. A indiferença, o ódio e a frieza também sufocam. De um jeito diferente. Mais lentamente. Tira de nós um pouco daquele sopro de vida de onde vem o sorriso, a paz, a esperança.

Mas há outros tantos ainda que, entre o pescoço e o joelho, torcem pelo joelho. Gente sufocante. Pelo ódio que sente e não contém. Que aplaude o assassinato. Que o deseja. Que o inveja. Queria um pescoço para si também. Na falta de uma oportunidade, ajuda a sufocar. Sem compaixão, respeito ou vergonha. De espírito oco de ideias e bons sentimentos, alegra-se em esvaziar os espíritos alheios. Vampiros morais, moralmente mortos.

Gente assim tem aos montes. Lá, cá e acolá. Também há sufocados. Enquanto eu escrevia, outra notícia pipocou no zap. Outro assassinato. Mais perto. No Rio. O crime? Lugar errado, hora errada, cor errada. Assustou os policiais, disseram. Com sua cor, provavelmente. Assustados, atiraram. Cadáver no chão, disseram tratar-se de acidente de trânsito. Não explicaram o buraco de bala no capacete e crânio do “acidentado”.

teve revolta. Das brabas. Notícia no mundo todo. Aqui, notícia sem destaque. Nada excepcional. Banal como vida e morte de preto favelado. Parentes e amigos chorando. Ninguém mais. Vida que segue, na indiferença para com os que não tem mais vida a seguir.

Os policiais assustados daqui eram da polícia “pacificadora”. O lema da polícia de Minneapolis: para proteger com coragem, para servir com compaixão”. Fácil estampar belas palavras num uniforme. Difícil é colocá-las nas mentes e corações de quem as ostenta.