Em 26 de novembro de 1992, há quase 30 anos, o Diário do Congresso Nacional transcrevia opinião desse que ocupa atualmente a Presidência da República, então deputado, em debate na Câmara Federal sobre o brasileiro, tratado preconceituosamente, sem reconhecimento de qualquer direito individual, como cidadão, nem mesmo a própria opinião sobre temas de seus interesses diretos.

Transcrevo em itálico:

  • “Devemos (…) adotar urgentemente uma rígida politica de controle da natalidade. Não podemos mais fazer discursos (…) cobrando recursos e meios do governo para atender a esses miseráveis que proliferam cada vez mais…”

Ou, mais adiante, em 16 de fevereiro de 2007, a mesma publicação oficial transcrevia o deputado, que atribuía a culpa sempre aos mais pobres:

  • “Temos que enfrentar essa questão. Quem não tem recursos continua parindo, fazendo cada vez mais filhos, de forma inconsequente.”

E continuava, em apartes seguidos, na mesma linha, conforme Diário da Câmara de deputados, em junho de 2007:

  • “…imagina-se que se trata de filhos não planejados de mães pobres, crianças que basicamente irão às escolas não para aprender, mas para comer. Antes da educação, uma seleção.”

E assim o atual presidente exibia seu preconceito contra os mais pobres, sem jamais emitir uma opinião sobre como acabar com a desigualdade que macula a sociedade brasileira, nem considerar a necessária opinião de cada indivíduo/cidadão na definição de uma política de natalidade. Sua opinião é definitiva, sem nuances, numa exibição de suas convicções de inspiração nazista.

Nunca considerou uma política de desenvolvimento sustentável, representando a opinião de todos e de cada cidadão/indivíduo, adotada pelos órgãos ou instituições capacitados para representar a cidadania.

Ao contrário, preferia ignorar a realidade e apresentar falsos argumentos:

Para ele “é preciso controlar a prole de quem, lamentavelmente, é ignorante. Nós controlamos a nossa, mas o pessoal pobre não controla a dele.”

O candidato à reeleição coloca a culpa do mal nas costas dos pobres e faz isso da maneira mais perversa possível:

  • “Não adianta nem falar em educação, porque a maioria do povo não está preparada para receber educação e não vai se educar.”

Finalmente, sobre natalidade, culpa a Igreja Católica pelo descontrole:

  • “A ideia só não deslanchou ainda pelo temor às reações da Igreja Católica, que, diga-se de passagem, é uma das grandes responsáveis pela miséria que se espalha em nosso meio.”

Também sua opinião sobre o destino dos indígenas é perversa. Não admite nenhuma forma de demarcação e condena os indígenas à extinção.

Em abril de 98, o Diário do Congresso publica intervenção de Bolsonaro, na íntegra:

  • “A cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em seu país.”

Um desrespeito absoluto à vida de cerca de um milhão de pessoas que ainda vivem suas culturas e conservam a floresta com seu instinto de sobrevivência.

Como assinala Erick Santos em sua pesquisa sobre as manifestações de Bolsonaro no Congresso, “uma fala como essa dispensa comentários, pois não há como escancarar mais a monstruosidade de Bolsonaro do que sua própria fala. Deixo apenas a constatação de que os indígenas e os pobres são, aos olhos de Bolsonaro, parasitas: seres ‘inferiores’ e que causam mal ao país.

Norberto Bobbio, importante autor italiano, assinala que o soberano nas democracias modernas é o indivíduo, que deve ser considerado com seus defeitos, modo de vida e interesses. Os cidadãos/indivíduos são a realidade, como ficam evidentes na base das democracias atuais os direitos do homem e do cidadão, “desconhecidos para a democracia dos antigos.”(em “O filósofo e a política”).

A atribuição da soberania dar-se-ia pela opinião de cada um dos indivíduos/cidadãos que, manifesta, constituiria o conceito de “povo” que a Constituição brasileira de 88 considera, em seu Preâmbulo, na formulação:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais, individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos…”

Assim, o conceito é democrático, ao atribuir a Constituição ao povo, como conjunto manifesto de cidadãos. É uma Constituição moderna que, no desenvolvimento de seu texto, considera o Estado Democrático de Direito como República Federativa do Brasil, tendo por fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político.

Bolsonaro não leva nada disso em conta em suas manifestações sobre natalidade, pobreza, indígenas e religião. Tudo é produto de um erro só, que destaca o pobre e o desassistido como os atores a serem criticados e culpabilizados.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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