Caminhos para o Brasil no mundo multipolar

Rumos do Brasil? – 1

A delegação brasileira liderada pelo presidente Lula estava indo para a China, quase chegando na verdade, no exato instante em que começava a escrever estas palavras que resultaram em artigo. Se metade dos acordos anunciados sair, já muda o jogo no país, no Continente e pode colocar o Brasil em rota de encontro com o capitalismo chinês e em colisão frontal com as projeções de poder dos EUA.

Não é pouco o que se apresenta. Os dois maiores desafios do planeta são reduzir a desigualdade socioeconômica e promover uma economia de baixo carbono. Por outro lado, em pleno Ocidente, um quarto do eleitorado e boa parte das frações de classe dominante projetam o caos sem mais nem menos e a desagregação social através da manipulação de redes sociais – incluindo estas pelas quais trafegam as linhas aqui escritas.

As saídas dos problemas do Brasil dentro de um capitalismo parcialmente soberano formam o sistema de solução para a América do Sul e talvez a América Latina toda. Até aí todos sabemos.

A incógnita é aferir qual a capacidade de melar o jogo das frações de classe dominante (o empresariado que não se poupou no apoio a Bolsonaro e cogitou golpe de Estado) ou arrivistas (como as elites políticas bolsonaristas) no cenário doméstico. Ou, o que o governo dos EUA vai fazer, estando ou não próximo da social democracia brasileira (na lógica do inimigo do meu inimigo pode ser meu amigo)?

Considerando as “realizações” do governo Obama 1 e 2, com o Projeto Pontes e as operações de Lawfare que até o presente momento inviabilizam ao menos dois sistemas políticos (Argentina e Peru), podemos esperar tudo e mais um pouco.

Rumos do Brasil? – 2

O Brasil é um exemplo de “middle power”, e com propensão a “liderar” o bloco continental, se não toda América Latina, ao menos a América do Sul e definitivamente o Cone Sul. Isso já quase ocorreu ao menos na virada do segundo governo Lula para o primeiro de Dilma e agora, em 2023, o desenho em termos do Sistema Internacional está ainda mais favorável.

As condições para tal projeção de poder – e sem poderio militar incluído – estão mais que dadas, se e caso o país solucionar a sua asfixia com o rentismo e com a vocação renovada de ser primário exportador. O alinhamento da FIESP e CNI com o novo governo, reeditando o pacto de classes de Lula e José Alencar está sendo reeditado pelo atual presidente e pelo vice, várias vezes governador de 40% do PIB nacional, Geraldo Alckmin.

Alerto aos ufanistas de plantão que não se trata de tarefa fácil. O gargalo da relação Poder Executivo, indústria e elite paulista foi o mesmo – O MESMO – que levou Vargas ao suicídio e pode estar sendo reeditado neste momento. Outro gargalo é o reconhecimento de que há uma parcela considerável do aparelho de Estado assumidamente protofascista, especialmente nas carreiras militares, jurídicas, correcionais e policiais. Exemplos não faltam. A bancada da bala e a Sessão da Tarde dos Horrores na Comissão de Segurança Pública da terça-feira, 11/04, quando mais uma vez o senador eleito Flávio Dino (PSB/MA) e ministro da Justiça foi exposto a situações vexatórias e pantomimas é a prova disso. A laia bolsonarista pode não ter disposição para a defesa do país, mas para agir na luta intestina, eles “topam tudo por mais recursos e espaços”. Qualquer semelhança com os “tigres da repressão política argentina” (como Alfredo Astíz) e a vergonhosa conduta destes militares profissionais diante dos regimentos britânicos na Guerra das Malvinas, não é nenhuma coincidência.

Aí entra o outro fator. A “frente interna” de um processo nacional desenvolvimentista implica em um discurso de soberania nacional com perfil popular. Implica em luta popular – luta de classes – em pleno pacto social. Pode mudar, mas do jeito que está, sem classismo (que aponta para o avanço das conquistas populares) e sem mobilização de estilo nacional-populista (ratificando o pacto de classes, mas com bandeiras de soberania e desenvolvimento), simplesmente a conta não fecha. De novo não fecha.

Rumos 3 – Brasil, China e o multilateralismo ativo

O discurso do presidente Lula em Xangai é muito revelador das possibilidades abertas do multilateralismo brasileiro. Não me surpreenderia alguma conversa informal entre a alta hierarquia diplomática do Ministério das Relações Exteriores do Brasil com a chancelaria da França, porque o recado do banqueiro Macron veio na semana anterior, do anúncio da ampliação da carteira de projetos do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB na sigla em inglês), justo sob o comando da ex-presidenta Dilma Rousseff. Imediatamente os recados vieram, e não foram nada sutis.

Não é a toa que o senador Sergio Moro (União Brasil / PR) já manifesta preocupação, reproduzindo uma matéria do Washington Post com recados editoriais vindos diretamente do Departamento de Estado e do Pentágono. Supreendentemente o ex-presidente dos EUA Donald Trump acerta na observação em entrevista para a Fox News em postagem difundida pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL/SP). O ex-dono e gerente de cassino afirma o óbvio quando diz “nosso poder está na nossa moeda, se o mundo comercializar com moeda chinesa ou outras moedas, é como perder uma guerra mundial”.

Será que a administração Joe Biden vai contar com o “deep state” para tentar conter o avanço da economia brasileira em um sistema multipolar? Ou vão apelar para o trumpismo tropical que já opera no Brasil e exerceu o desgoverno Bolsonaro por vastos quatro anos, antecedido pela tenebrosa gestão Temer e o nefasto papel de militares de alta patente sob a batuta dos generais Sergio Westphalen Etchegoyen (liderando nas sombras) e o 01 no comando do Exército, Eduardo Dias da Costa Villas Bôas. Como já escrevemos anteriormente, a generala à frente do comando sul dos EUA nesta administração Joe Biden e Kamala Harris, Lt General Laura J. Richardson repete por seguidas vezes a preocupação da superpotência decadente quanto à presença da China na economia e nas cadeias de alto valor agregado da América Latina.

O alerta está feito e todos os operadores sérios da defesa interna, assim como a vultosa comunidade acadêmica e de especialistas no jogo duro das relações internacionais, sabem perfeitamente bem o que pode vir a ocorrer. Ainda que o momento político seja positivo – uma vez que a extrema direita se vê contra a parede e fraturada em todos os flancos –, não é possível novamente confiar de forma cega (ou seja, sem o devido preparo e antecipação de cenários) de outra traição da liderança industrial do país. A única saída da indústria é a única via de desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Isso pouco ou nada tem relação com a luta de classes de forma direta (infelizmente), mas sim com a divisão internacional do trabalho e da criação de riquezas com garantia de prosperidade para mais da metade da população.

Não é pouco e para os EUA é muito, muito! A julgar pelo melancólico comportamento da defesa interna em 2009 – quando a metástase da Lava Jato e do Lawfare foi instaurado no Brasil e na América Latina – realmente é preciso preocupação e antecipação. (Publicado originalmente no Site Estratégia e Ação, abril/2023)

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone 

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