Maria perdeu seu amor não sabe onde. Procurou nas gavetas, nos bolsos, até atrás da geladeira e nada! Nadica de nada de amor. Sumiu mesmo. Assim, de repente. Sem mais nem menos. Será? Nada some sem mais nem menos. E, geralmente, nestes casos, há mais que menos. Conformada e intrigada, foi procurar por aí.

Tentou pelas ruas. Encontrou muita gente de cara fechada ou entristecida indo e voltando sabe-se lá de onde. Para quem não sabe o que os outros fazem da vida, qualquer caminhada parece a esmo. Alguns outros tinham o queixo mais levantado e um olhar assim, mais soberbo, mas não exatamente de soberba. Parecia mais um jeito de dizer que não estava nem aí para nada. Uma indiferença. E este olhar estava mais nos jovens que nos velhos. Talvez seja a juventude insistindo em sua força e impetuosidade num mundo de amor perdido.

Fato é que nas ruas não encontrou amor. Certamente que não há amor onde sobra tristeza, raiva, cansaço, soberba ou indiferença. Nada disso tem a ver com amor. Está mais para sintoma de sua falta.

É verdade que ela também viu pelas ruas gente sorrindo, mas faltava alguma coisa nos sorrisos. Eram de lábios arcados, sobrancelhas inclinadas e dentes à mostra como manda o figurino de um bom e largo sorriso.

À primeira vista estava lá, estampada na cara sorridente, alguma alegria. Mas ainda não era amor porque amor tem a ver com felicidade e não com alegria. E não pense que a felicidade se faz por soma de alegrias. Não mesmo! Felicidade é outra coisa, de outra matéria e consistência. Tem a ver com amor e, por isso, ela só existe onde há amor. Alegria vem de qualquer coisa, até do tombo ridículo de quem não tem a grandeza de se permitir ser ridículo.

Frustrada nas ruas, Maria buscou o amor não na rua. Na internet. Lugar vazio de lugar que, no entanto, é cheio de gente vazia de si e, também, de gente cheia de si mesma. Encontrou por lá mais variedade de pessoas que encontrara nas ruas. E percebeu haver mais complexidade nas pessoas quando estão no mundo virtual.

Curiosamente, se esforçam por aparecer, agindo com a ilusão do anonimato, escondidas em um novo nome, às vezes com símbolos e números, e um novo rosto esculpido em software de distorção de imagens. Aliás, quase tudo lá é distorção. Distorção das intimidades, das coisas publicas e sérias, distorção da vida e, claro, distorção do amor.

Não demorou muito para Maria entender que também não acharia por lá o amor perdido. Afinal, na distorção não pode haver amor porque amor é o que junta, organiza, harmoniza. Com ele por perto, não há como haver distorção. Ao contrário, o amor faz ver as distorções ainda mais distorcidas, quase patéticas.

Onde achar então? Onde arrumar outro, se for este o caso de se substituir o amor perdido por um amor sobressalente? Na incerteza, Maria desligou as telas, fechou as cortinas e apagou as luzes. Ficou ali, sozinha consigo mesma e com seus pensamentos incompletos. E foi ali, como que num estalo ou epifania, que percebeu onde estava o amor.

Não estava perdido. Estava ali, o tempo todo. Dentro dela. Estava só escondido por um amontoado de coisas tristes e estúpidas que Maria tanto viu nas ruas e nas redes.

Sentiu-se alegremente tola como alguém que descobre no próprio rosto os óculos que procurava pela casa toda. Entendeu que o amor não é coisa de se achar nos outros ou em algum lugar ou coisa. Ou o amor está em si mesma ou não está em lugar algum. Tirou os entulhos que apagavam o amor dentro de si e só então pôde, finalmente, amar.

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Ilustração: Mihai Cauli
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