A imprensa do Rio de Janeiro em meados do século 20 atraiu os melhores cronistas do Brasil. Os pernambucanos Antônio Maria e Nelson Rodrigues, o carioca Sérgio Porto, os mineiros Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes de Campos tinham status de estrelas da cultura, convidados a tudo quanto era festa e convescote da high society, incensados nos bares, que lhes reservavam mesa cativa (“a da diretoria”). A grande época da crônica na imprensa. Numa dessas, chegou ao bar o brilhante Antônio Maria e foi sentar-se ao lado do Sabino.
– Fernando, tenho uma ótima pra te contar. Fui a um jantar de “800 talheres”, ontem à noite.
– Foi?
– Estava eu lá nos birinaites e uma socialaite botou sorriso em mim.
– E aí?
– Aí, quando passamos pra mesa, ela se adiantou pra sentar ao meu lado.
– Bonita?
– Lindíssima! E muito boa!
A essa altura, a turma já havia silenciado, atenta ao caso.
– Começou a contar que é minha fã, que abre o jornal direto na página de
minhas crônicas, que não perde uma, que sou genial…
– E aí?
– Aí que já estávamos no introito quando eu percebi que ela estava me confundindo contigo, Sabino.
– Comigo?!
– Contigo. Fã de babar.
– E aí, contaste que tu não és eu?
– Eu não! Não iria interromper a felicidade da linda por conhecer seu ídolo, o grande Fernando Sabino.
– Pô!
– Aí ela botou a mãozinha no meu braço e deitou sobre mim aquele olhar alongado.
– E aí?
– Aí ela encostou a coxa na minha.
– E aí?
– Aí ela me convidou pra partirmos pra casa dela; um andar inteiro de frente pro mar.
– E aí?
– Aí não deu tempo nem pra esvaziar a champanha. Me arrastou pro quarto, arrancando minha roupa pelo caminho.
– E aí?
– Uma fogueira, aquela mulher! Me jogou na cama e pulou em cima de mim.
– E aí, e aí?!
– Aí, Sabino, aí você não imagina a brochada que você deu!
(Crônica publicada no Grifo No. 21, abril de 2022)
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Ilustração: Mihai Cauli
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