Na foto, o assessor político Steve Bannon

Aqui e ali a chama se espalha. Agora foi a vez da Polônia que, seguindo a trilha da Hungria e confirmando as previsões mais pessimistas, se entregou à aventura ultradireitista com a vitória nas eleições de domingo, 12 de julho, do candidato do PiS Andzej Duda. Enquanto nos Estados Unidos seu ex associated Donald Trump talvez esteja se aproximando de uma debacle eleitoral, na Europa, Steve Bannon pode estar colhendo os louros da investida no velho continente, onde se instalou desde que foi excluído da Casa Branca.

O que o americano está provocando por aqui é, sim, uma reciclagem no guarda-roupa da ultradireita, mas é simultaneamente mais que uma mera renovada na aparência. Para ele, se trata de modernizar métodos e técnicas de operação da política como fenômeno de massas e eleitoral. Claro que não é dono exclusivo da patente. É, na realidade, parte e cria de um processo que embora tenha se acanhado no imediato pós-guerra, nunca deixou de existir.

O que faz é tentar dar forma, coerência e funcionalidade a esses sentimentos difusos que se amparam no rancor, no ressentimento contra o outro. Dirige-se à parte mais retrógrada do espectro político para, ironicamente, ali promover um choque de modernidade. Bannon é, neste sentido, um revolucionário – ao menos é assim que pretende se vender. Um homem frio, pragmático e sem escrúpulos, disposto a ganhar dinheiro e ao mesmo tempo ampliar e consolidar essa faixa do eleitorado mais afeita às sanguinárias ideologias do sucesso a qualquer preço, do culto ao que funciona e cujo combustível é o ódio. É o próprio Bannon quem teoriza: “O ódio é um motivador. Eu fazia parte do Tea Party. A raiva é motivadora”, diz numa das cenas do documentário O Grande Manipulador (The Brink) de Alison Klayman, de 2019.

Além dos seus filmes de propaganda política, que ele orgulhosamente compara aos produzidos por Leni Riefenstahl, pelo menos dois documentários já foram lançados nos últimos dois anos tendo o assessor como protagonista. O de Alison Klayman e o de Errol Morris, American Dharma, 2018. Morris é ninguém menos que o diretor do premiado Sob a Névoa da Guerra (Fog of War), Oscar de melhor documentário de 2004. Tanto quanto a alemã que trabalhava para Goebels, o americano acredita que a imagem (a embalagem) é um elemento crucial na política.

Sua demonstração de afeto pelos ideólogos, propagandistas e arquitetos do nazismo não para por aí. Numa das cenas do The Brink, descontraído e em seguida entusiasmado, descreve sua visita ao complexo da morte montado pelo hitlerismo nas cercanias de Cracóvia. A citação abaixo é um pouco longa, mas ajuda a compreender sua forma de pensar. Bannon fala de sua visita a Auschwitz e a Birkenau e comenta: Eu gostei de Auschwitz. Mas quando chegamos a Birkenau, aquilo era o arremate da história. Olho em volta, viro-me para o guia que nos acompanha e digo: ‘Oh meu Deus … este é o lugar mais perturbador que eu já estive. Tem algo especial. É o que pensei que iria sentir em Auschwitz.

Foi o guia que explicou à Bannon que todos dizem a mesma coisa, pois o primeiro campo foi feito a partir de uma escola de cavalaria polonesa, Birkenau, não, começou do zero, é puro “design industrial alemão”. Bannon se diz perplexo e continua elogiando…

“ … é engenharia de precisão até o enésimo grau. O mesmo que Mercedes, Krupp, Hugo Boss e todo o resto. Um complexo industrial implantado para assassinatos em massa. Aqui você finalmente percebe que as boas pessoas na Alemanha estavam sentadas em suas mesas desenhando e tendo reuniões como em qualquer empresa do mundo – esse lugar foi tão cuidadosamente planejado… Havia pessoas que se sentaram e pensaram em tudo isso, completamente apartadas do horror moral. É quando você pensa: ‘Meu Deus, os humanos podem fazer coisas assim’. Humanos não são demônios. Humanos são apenas humanos.”

Aqui podia ser encerrado, enquanto ouvimos o fecho da entusiasmada elegia à indústria alemã, indiferente se constrói automóveis ou campos de extermínio, desde que com a mesma eficiência, ao fundo a imagem da Casa Branca, controlada por humanos que “são apenas humanos”, os parceiros de Bannon.

Curriculum Vitae

Quem é afinal esse sujeito que se esforça para fazer política fabricando a si mesmo como um personagem e, logo, um mito? Como celebridade seguramente já terá se consolidado. Até quando, isso ninguém sabe. Sem poder político de fato ou associação estável com os grupos políticos dos quais se aproxima sua carreira pode ser tão meteórica quanto sua parceria com Trump. Na casa Branca sobreviveu por sete meses, até agosto de 2017, quando foi despedido pelo chefe.

Será sua ambição muito maior que sua capacidade de vender-se como o grande operador por detrás das ambições dos outros?

Seus clientes não são tontos. Podem ser canalhas, boçais, brutos e arrogantes, mas bobos dificilmente. Querem resultados e resultado significa poder. Eles, mais que qualquer um de nós, sabem bem que papel desempenha ou desempenhou Bannon no seu sucesso. Sabe-o Vox, tanto quanto Orbán (Hungria), o polonês Duda, Marine le Pen e Matteo Salvini.

A Bolsonaro, ele e sua empresa de assessoria certamente terão sido e são de inestimável ajuda. O acaso, que combinou circunstâncias muito particulares, muito mais que a capacidade de formulação política, de construção de um projeto de poder, colocou Bolsonaro no Planalto. O jornalista do The Guardian, Paul Lewis conta que quando Bannon “disse que estava aconselhando Jair Bolsonaro… ele se referiu a ele apenas como o paraquedista do exército”. Lewis relata ter lhe perguntado o nome do então candidato brasileiro na corrida presidencial. Bannon pareceu perplexo e respondeu: “Bortolini”. “Capitão Bortolini”, talvez tenha arrematado.

Seu interesse aí, aparentemente, está mesmo em faturar uns tantos milhares de dólares (saídos sabe-se lá de onde) ao mesmo tempo em que reforça a imagem, a autopromoção e o agigantamento da própria imagem. Bolsonaro, na realidade, não conta, exceto se todo o resto não decolar. Aí, talvez se instale em Luziânia ou numa mansão do Lago Sul para manter regabofes com os filhos do capitão.

No seu próprio país, excetuada a surpreendente eleição de Trump, em 2016, da qual se proclama o protagonista, suas participações em outros pleitos, como as parlamentares de 2018, resultaram em retumbantes fracassos. Quanto às da Europa, onde se meteu de corpo e alma após a defenestração na pátria natal, a história dirá que papel seus conselhos e assessoramento terão desempenhado. Pode ser apenas coincidência, mas no últimos dois anos, seguindo já uma tendência anterior, partidos como o Vox da Espanha e gente como Viktor Orbán, Boris Johnson, Marine Le Pen, Andzej Duda se consolidaram ou cresceram a olhos vistos. O italiano Matteo Salvini da Liga do Norte, um dos alvos preferenciais da empresa de Bannon (The Movement, com sede em Bruxelas, sede também do Parlamento Europeu), até agora é a exceção: apostou alto demais contra a banca e perdeu, tendo que deixar o governo que comandava.

Pode o trumpismo nos Estados Unidos estar definhando? Apesar da fragilidade do candidato Democrata, não há praticamente nenhuma pesquisa voltada para a eleição de novembro que coloque o atual presidente na dianteira – não custa lembrar que tampouco na eleição de 2016 Trump aparecia na liderança. Ainda que o retrocesso da banda do atual presidente venha a ocorrer, há o crescimento de um movimento que pouco tempo atrás, lembremos, tinha o nome de Tea Party e a governadora do Alaska, Sarah Palin como estrela ascendente, assim como o resultado da eleição de 2016 e as realizações da presidência nesses últimos quatro anos torceram a política do Império ainda mais dramaticamente para a direita. Desde sua mais remota origem no partido de Palin, Steve Bannon é parte e consequência dessa torção. Daí que, ao invés de subestimar a figura, o melhor a fazer é olhar mais de perto as marcas das suas pegadas.