Qual o futuro das federações partidárias

As eleições de 2022 inauguraram as experiências de federações partidárias com as exigências de programa comum, caráter nacional, tempo mínimo de quatro anos, bancadas e lideranças unificadas e contagem conjunta dos votos para efeito dos quocientes eleitorais parlamentares.

A campanha de Lula Presidente uniu duas federações (PT, PCdoB e PV), (PSOL, Rede) e uma ampla coligação eleitoral sem as mesmas exigências das federações, mas que no primeiro turno teve a presença do PSB e a indicação de Geraldo Alckmin como vice-presidente. Portanto, já com o compromisso programático assumido na construção da campanha. No segundo turno, ampliou-se para uma dezena de partidos na Frente Vamos Juntos incluindo PDT, setores do MDB, Avante, PSD e outros.

No campo neoliberal, PSDB e Cidadania também compuseram outra federação. Assim como o DEM e o PSL deram origem ao União Brasil. No período pós-eleitoral, notícias dão conta de novas federações e fusões; por exemplo, UB e PP já se anunciam como “o maior partido do país”. E outras uniões estariam em curso.

O quadro partidário anterior era efetivamente irreal, do ponto de vista ideológico e programático. Mais de trinta partidos não melhoravam as opções orgânicas para a ação política na sociedade e nas representações institucionais.

Expressavam mais a liberalidade exagerada no reconhecimento e legalização provisória dos partidos do que efetiva representação social e programática de setores da sociedade brasileira. Moviam-se mais de olho nos tempos de exposição no rádio e TV das campanhas eleitorais e dos recursos crescentes de fundos partidários controlados pelas direções partidárias nacionais.

A nova legislação eleitoral de 2017, no entanto, ao estabelecer crescentes cláusulas de desempenho eleitoral a cada novo pleito, fixou patamares difíceis de serem cumpridos, em votos e número de candidatos eleitos. Os partidos seriam punidos com perda do Fundo Eleitoral e da sobrevivência enquanto bancadas parlamentares, forçando a unificação dos grupos com maior afinidade programática e representação social.

Não há dúvida de que esse processo é positivo à democracia brasileira e ao fixar os critérios exigidos às federações, citados no início do artigo, começa a dar bons resultados. Não resolve a pior característica do sistema eleitoral brasileiro, o voto nominal, verdadeiro tumor da corrupção eleitoral, do personalismo na política e do obstáculo à necessária compreensão do caráter programático e coletivo do voto. Isso, infelizmente, continua.

Mas, voltemos a estes primeiros passos que os partidos engatinham na direção de federações mais orgânicas, mais programáticas, mais coerentes. Se a corrida às federações acelera, pois em 2026 a cláusula de barreira será maior ainda, elas e os partidos que as compõem precisam ser os primeiros a dar exemplos de coerência, de capacidade de construção coletiva e de vigilância dos parceiros nesse processo.

Assim, o direito à crítica e à cobrança de coerência tende a aumentar entre os partidos para que esta rica experiência de federações ou de coligações programáticas, ideológicas, e não meramente eleitorais, seja vitoriosa e consolide uma nova consciência programática e partidária na jovem democracia brasileira.

No jornal Correio do Povo (9/03/23), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, mirando seu sonho presidencial e as municipais de 2024, faz juras de identidade com o MDB e até fala em possível federação, mas lembra que setores do MDB estão no governo Lula e aí complica, conclui o governador.

Para nós do PT também é constrangedor termos setores do MDB no governo gaúcho e estarem em Brasília com três ministérios e uma sede insaciável em todo o país. O União Brasil, idem, também com ministérios no Planalto e aqui com secretarias, mas as políticas dos governos são opostas.

O governo Leite no RS pode não ser bolsonarista na truculência, nos costumes, no trato arrogante e ameaçador com a oposição, mas é um fiel e o mais aplicado discípulo do ex-ministro e especulador Paulo Guedes em sua exacerbada e serviçal prática do neoliberalismo em favor dos ricos, dos capitalistas.

Não há dúvida, no entanto, de que as políticas atuais do governo federal e do governo gaúcho caminham em sentido oposto e ao MDB essa contradição apenas dá curso à sua agonia terminal como partido. Terá que fazer sua opção e não será o discurso surrado de que foram herdeiros da resistência democrática à ditadura de 64. Renderam-se, em sua quase totalidade, ao neoliberalismo e à barbárie bolsonarista. Trocaram o nacionalismo desenvolvimentista, o planejamento e o Estado indutor pelo domínio da financeirização, da submissão nacional e do mercado.

Como apostamos em outro caminho e algumas federações podem compor esta frente política onde os partidos não perdem suas autonomias, mas optam por um programa comum comprometido com a democracia participativa e com a soberania nacional, queremos dedicar nossos esforços com essas forças políticas.

Nesse sentido, queremos o debate franco e fraterno com os partidos que se reivindicam da representação popular do povo trabalhador. O PSB e o PDT são representantes antigos das lutas populares. Ambos expressam vertentes históricas social-democratas, inclusive, com filiação a essa Associação Internacional dos socialistas.  Nada a ver com o PSDB alinhado desde a origem com a globalização e o neoliberalismo.

O PSB indicou o vice-presidente Alckmin, comanda ministérios, mesmo não estando na federação, sua bancada é de sustentação do governo Lula. O PDT, no segundo turno, assumiu a coligação Vamos Juntos, apoiou a chapa Lula-Alckmin e está, também, em ministérios e em vários órgãos governamentais.

Todos fazendo o maior empenho e dedicação para que o novo  governo possa levar adiante projetos clássicos da social-democracia na inclusão social e no acesso aos direitos constitucionais negados há décadas ao povo brasileiro.

Todos ajudando o governo a enfrentar a política de liquidação industrial e a financeirização que vem sendo imposta pelo bolsonarismo e o Banco Central. E temos pela frente ainda o desafio de devolver os direitos sindicais, trabalhistas e previdenciários que os últimos governos tiraram dos trabalhadores e trabalhadoras do país.

Por tudo isso, queremos estabelecer um diálogo fraterno e companheiro, com as direções, parlamentares e filiados do PSB e do PDT para que nos ajudem a construir a política nacional da qual seus partidos já são responsáveis e coerentemente, aqui no RS estejamos juntos na oposição na Assembleia Legislativa, nas Câmaras Municipais, na luta social e sindical. Estaremos defendendo os interesses dos trabalhadores, do povo, do funcionalismo público, dos serviços públicos que atendem a maioria da população e que neste momento sofrem a política do arrocho salarial, de sua previdência e da entrega criminosa do patrimônio público e dos serviços à privatização capitalista que vive do rentismo financeiro e que agora quer abocanhar serviços essenciais à vida para acumulação de capital.

Nesta semana, a imprensa informa que PSB e PDT também caminham para outra federação partidária. De nossa parte, saudamos a iniciativa, mas, fraternalmente, cobramos a coerência programática nacional que as federações estabelecem. Não é possível ser social-democrata no país, estar em um governo que se esforça para recuperar o desenvolvimento econômico, a distribuição da renda, uma progressividade tributária, a prioridade para a educação, a saúde e o serviço social para os explorados e oprimidos e aqui no RS sustentar a política oposta, neoliberal, excludente, exploradora e entreguista do patrimônio público do governo Leite.

Fica o convite público, aberto, fraterno a todos os filiados dos nossos partidos para que discutamos e que criemos uma grande federação ou uma frente de federações do campo democrático-popular e socialista para dar conta da histórica dívida de democracia e de igualdade social ao povo brasileiro e enfrentar os próximos desafios eleitorais.

(Publicado originalmente no SUL 21 em 12/03/2023)

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e Revisão: Celia Bartone

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