No combate aos bandidos todos têm suas doses de responsabilidades diante do grande fracasso civilizatório nacional que é a violência e a insegurança.

As pesquisas sobre a ação contra o Comando Vermelho em 28.10.25 são inequívocas. Segundo a Quaest, no RJ a aprovação foi de 64%. Contra 27% que a rejeitam, com 73% querendo mais ações policiais como aquela. Embora 52% achem que o Rio está menos seguro depois dela. A aprovação do governador saltou de 43% em agosto para 53%. A população está dizendo que a situação não pode continuar como está; que algo precisa ser feito; que não aguenta mais viver sob a opressão de bandidos; que os poderes públicos precisam resgatar os territórios tomados pelo crime organizado. E que, para isso, já não bastam os métodos usuais.
O momento é fértil para o populismo penal. Por isso, políticos astutos apressam-se em pregar ações espetaculares para criar a impressão de acuar o crime organizado, com ganhos imediatos de popularidade. Numa situação excepcional, dizem, a polícia deve estar autorizada a julgar e matar em um só instante, como se a Constituição autorizasse a pena de morte e a execução sumária. Bandido bom, é bandido morto, bradam as pessoas de bem.
Quando o STF concluiu o julgamento da ADPF 635, a das favelas, o governador do RJ saudou-a como uma vitória para a segurança pública do RJ. No dia 28.10.25, diante de 121 mortos, sua primeira fala foi a de culpar a “maldita ADPF das favelas”. E, claro, o governo federal. Mas será que o Comando Vermelho prosperou por causa da ADPF? Ou existem causas mais profundas e complexas?
Ao julgar a ADPF em abril desse ano, o STF estabeleceu um roteiro que incluiu a elaboração de um plano de redução da letalidade pelo Estado; um outro para retomada de áreas territoriais sob domínio de facções; a atuação em conjunto da PF com as polícias estaduais; e o uso de câmeras corporais pelos policiais e suas viaturas. Se essas cautelas não fossem exigidas, o CV teria deixado de ocupar os 18% do território do Rio? Quase sempre as garantias da ADPF não foram cumpridas também em outras chacinas. E isso não impediu que o crime prosperasse. Quem também prosperou foram alguns políticos hábeis em manipular o medo, a dor e o cansaço da população diante da fraqueza do Estado. Eleitos fazendo o gesto da arminha, prometendo atirar na cabecinha.
O que fazer, então? Do jeito que está não pode continuar. Mas a solução vai além dessas operações. Nelas, a polícia ocupa o território por algumas horas. Semeia o terror. Mata bandidos e inocentes. E perde alguns policiais escalados para cumprir ordens de operações cujos objetivos se transmutam em eleitorais. Policiais como Marcus Vinícius de Carvalho, Rodrigo Cabral, Cleiton Gonçalves e Heber da Fonseca – heróis que tombaram no combate ao CV, cumprindo ordens insensatas e inconstitucionais. Depois da ação, os moradores voltam a ser oprimidos pelas facções. Perdem os policiais e o povo. Saem ganhando apenas alguns políticos na onda das soluções fáceis do populismo penal. Agora com adesões oportunistas entre setores partidários supostamente progressistas.
Estou entre os críticos da timidez do envolvimento do governo federal. O atual ministro da justiça, com seus punhos de rendas, consumiu dois anos para produzir uma PEC da segurança que até hoje está sendo cozinhada na Câmara, bombardeada pelos governadores da ultradireita populista e por suas bancadas. Mas a PEC vai na direção correta ao buscar integrar o aparato policial dos entes federados. Na direção correta também está o PL antifacções. Sobretudo na parte em que permite a intervenção judicial em empresa ligada a organização criminosa com imediato bloqueio de operações financeiras, e sequestro de bens no curso do inquérito diante de indícios de que são fruto do crime. Uma boa experiência recente de cooperação dos entes federados foi a Operação Carbono Oculto, que atingiu um poderoso esquema de fraudes e de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis de SP. Chegou-se a desbaratar até mesmo os elos financeiros das facções com fintechs e fundos de investimento. Próximo passo deveria ser uma operação similar no RJ.
Para um problema tão complexo não existe solução única. Nem salvador da pátria. É preciso combinar esforços, integrar todas as forças da ordem e valorizar o trabalho de todos os atores do Sistema Único de Segurança Pública. Trata-se de combinar a ação concreta no território com as ações de inteligência que asfixiem o coração do crime organizado: as suas finanças. Sem manipulação eleitoral. E sem licença para matar, como se o país estivesse em etapa prévia à das conquistas liberais do contraditório, do devido processo legal e da separação entre quem investiga, quem julga e quem executa a condenação. Reconhecendo-se que, até o presente, todos têm suas doses de responsabilidades diante do grande fracasso civilizatório nacional, que é a violência e a insegurança.
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