A Comissão do Senado do Uruguai aprovou o Acordo militar com os Estados Unidos

O Acordo militar do Uruguai com os Estados Unidos, que define o “apoio às operações nas bases”, foi aprovado na Comissão de Assuntos Internacionais em conjunto com a Defesa Nacional, só com os votos favoráveis da coalizão de direita que governa o país, apesar da votação contrária da oposição, a Frente Ampla. (Ver o artigo do autor “Interferência militar dos Estados Unidos no Uruguai“]

O Acordo abre as portas às bases e teve o voto dos cinco dos nove senadores presentes. Parlamentares do Partido Nacional, do Partido Colorado e do Cabildo Abierto apoiaram o projeto.

O ministro e o subsecretário da Defesa Nacional, assim como o subsecretário das Relações Exteriores foram convidados para fazer exposições para a Comissão, por causa das dúvidas que tanto a oposição, como alguns dos integrantes da coalizão governamental manifestaram sobre o assunto das bases.

O ministro da Defesa, Javier García Duchini, disse que “tinha a intenção de aprofundar” a questão do nesta sessão. A seguir, negou que tenha sido viabilizada a instalação de uma base militar estrangeira no Uruguai. Recordou e enfatizou a posição de Luis Alberto de Herrera, um dos líderes históricos do Partido Nacional, em meados do século XX, que foi contra a instalação de bases dos Estados Unidos na Laguna del Sauce. Assim, dava a entender que o Partido Nacional manteria essa postura.

No entanto, García, ao começar seu discurso, mencionou o Convênio de Defesa assinado entre o Uruguai e os Estados Unidos em 1953, destacando os 70 anos de “cooperação” militar entre os dois países. Curiosamente, ou deliberadamente, García não recordou a oposição bastante enérgica de Luis Alberto de Herrera a este Convênio militar com os Estados Unidos de 1953. Oposição que era compartilhada (naquele herrerismo distante e esquecido) por Carlos Quijano, do semanário “Marcha”, bem como por comunistas e socialistas. O ministro exibiu uma memória histórica muito seletiva sobre Herrera, conveniente à postura pan-americanista e pró Estados Unidos do atual “herrerismo” e de seus parceiros do Partido Colorado e do Cabildo Abierto (partido político uruguaio), no governo.

García voltou a insistir, como havia feito antes, na interpretação de que “o apoio às operações nas bases (e à construção correspondente a este apoio)” pode referir-se, por exemplo, ao apoio dos Estados Unidos a uma base uruguaia em missão de paz no Congo.

Interpretação diferente e contraditória com a que formulou o então senador Gustavo Penadés (especializado, entre os parlamentares do Partido Nacional, em assuntos de Defesa) quando, em 2022, afirmou que seria para construir uma Policlínica, como a de Santa Catalina.

É importante deter-se nestas contradições porque o subsecretário do Ministério das Relações Exteriores, durante a sua intervenção, abriu ainda mais o leque, diante da possibilidade de outras interpretações do Acordo, dizendo: “inclusive, no pior cenário, este Poder (o Poder Legislativo), ou mesmo o Poder Executivo, estaria sempre habilitado a dizer que aquilo que talvez tenha sido interpretado no acordo como tal, não é assim”.

Assim, membros do atual Poder Executivo reconhecem que poderia haver outras interpretações, embora as rejeitem. Em seguida, o mesmo subsecretário expressou: “podemos ter a subjetividade da análise do texto que, basicamente, pode ser infinita”, e voltou a reiterar a referência à subjetividade da interpretação infinita, sem lhe dar significado.

Permaneceram sem respostas adequadas os valiosos questionamentos colocados pelos senadores da Frente Ampla Sandra Lazo  e Daniel Caggiani. Vamos nos aprofundar nelas em um próximo artigo. Por ora, destacamos as referências de Caggiani à estratégica dissuasiva dos Estados Unidos; à séria dúvida sobre se “os acordos sobre as operações concretas que poderão ser realizadas serão feitos através de um acordo de implementação, que não será do conhecimento do Parlamento”; ou os problemas com outros países, como a China. Lazo também enfatizou a preocupação que causa a menção no Acordo às “circunstâncias imprevistas ou situações em que uma das partes possa solicitar Apoio Logístico”, em função dos interesses dos Estados Unidos.

Vale lembrar que a intenção dos EUA de instalar uma base militar no Uruguai remonta pelo menos ao século passado, como recordaram García e Lazo nas suas referências à oposição de Herrera a essa iniciativa norte-americana. No entanto, muitas vezes esquecemos que entre novembro e dezembro de 2018 tivemos uma base militar temporária dos Estados Unidos no aeroporto de Carrasco, durante a Cúpula do G20 organizada na Argentina. Não em vão, Vivian Trías definia o Uruguai como uma semicolônia, condição que era também a de outros países de nossa América Latina balcanizada.

No passado recente, foram escritos livros de história do Uruguai intitulados, por exemplo, “Da colônia ao Mercosul”. A não ser que haja transformações profundas, não somente eleitorais, mas também de orientação estratégica, num futuro próximo teremos que escrever livros sobre as aventuras uruguaias intitulados: “Da semicolônia à colônia do século XXI”.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Tradução para o português: Celia Bartone
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão Celia Bartone

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