A tradição filosófica ocidental construiu durante séculos uma tábua de valores considerada norteadora do comportamento ético e civilizado. A extrema direita é denunciada como pregadora da barbárie. Achei relevante interpretar o atual presidente do Brasil, de extrema direita, sob esta ótica das virtudes reconhecidas pela tradição judaico-cristã. Usei o Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, de André Comte-Sponville.

  1. Polidez – essa é uma virtude considerada ambígua, pois diz o autor que até grandes canalhas podem tê-la. Bolsonaro notoriamente não tem nem essa;
  2. Fidelidade todos os políticos e segmentos inteiros de sua base política que romperam com ele, o consideram traidor;
  3. Prudência – é um falastrão contumaz, que prejudica o país em atos de fala, ações e inações. Quase nos envolve em uma guerra com a Venezuela, ofende, seguidamente, China, União Europeia, França e outros países. Apoiou Trump em suas estrepolias e não reconheceu Biden quando devia;
  4. Temperança – o desequilíbrio é da natureza de Bolsonaro. É explosivo e desestrutura as instituições de forma premeditada. Sabota o esforço de guerra contra a Covid-19, que já sacrificou mais de 190 mil brasileiros;
  5. Coragem – não é o forte do presidente, apesar de ter sido treinado para a guerra. Em seus 30 anos de vida política, não teve um ato indicativo de coragem. E fugiu covardemente dos debates eleitorais;
  6. Justiça – a ausência dessa virtude no caráter de Bolsonaro é gritante, em todas as suas dimensões. Faz um governo para ricos, contra o desenvolvimento sustentado. Sempre que arbitra algo, o faz em favor dos mais fortes. E, no campo criminal, atua para proteger seus filhos enrolados com a polícia;
  7. Generosidade – as ações de Bolsonaro são mesquinhas e sempre em prejuízo dos pobres, doentes e oprimidos. Não quis aprovar o auxílio emergencial de R$ 600 e foi atropelado pelo Congresso. Retirou direitos dos trabalhadores, aposentados, inválidos. A lista é longa;
  8. Compaixão – a falta de empatia de Bolsonaro por milhões de pessoas afligidas pela Covid-19 e a indiferença em relação aos mortos e suas famílias está no limiar da psicopatia. É incapaz de se solidarizar com o sofrimento alheio;
  9. Misericórdia – Bolsonaro é um tipo rancoroso, que destila e propaga o ódio. Há os que o seguem por essa característica e os que sentem repulsa por essa personagem bufa, mas perigosíssima. É um admirador dos seres mais odientos da história contemporânea, torturadores, estupradores, genocidas, assassinos a soldo, entre outros da ralé da humanidade;
  10. Gratidão – talvez até pareça que Bolsonaro tenha expressado gratidão em algumas situações, como o fez ao ex-comandante do exército que ameaçou o STF, caso soltassem Lula. Uma gratidão sem virtude, pois perversa em sua natureza vil. A gratidão é virtude daquele que é humilde para reconhecer o outro e nada está mais longe do caráter de um político que nunca exerceu seu mandato seriamente – nem como deputado, muito menos como presidente. Não é grato nem aos seus eleitores, os quais considera manipuláveis e de inteligência limitada;
  11. Humildade – para Bolsonaro, é uma máscara para uso político. Ele engana o crédulo com sua boçalidade. Não é o homem comum que fala o que pensa, sem cautela e autenticidade, é um ator frio, até nas cenas de indignação ensaiadas para ouriçar a pulsão de morte de sua tropa de choque fascista;
  12. Simplicidade – quem vende simplicidade, não é simples, nem autêntico. A pessoa simples não ensaia, não mente sobre sua natureza. Bolsonaro se vende como simples. Tudo muito pensado para obter certa reação do público, que é a de comprar gato por lebre. Alguém pode pensar que um presidente que gasta milhões no cartão corporativo da presidência – muito mais do que qualquer outro presidente – é simples? Alguém que tem sua residência pessoal em condomínio de luxo na Barra da Tijuca é simples? Que só gosta de rico é simples? O chinelão e a caneta Bic são do homem simples, não de Bolsonaro, que frauda a sua imagem. Simplório, sim, simples, nunca;
  13. Tolerância – Bolsonaro é um intolerante militante. Odeia tudo e todos que diferem da sua visão torpe do mundo. Destila ódio por homossexuais, expressa sua misoginia com frequência, diz que seus filhos jamais se casariam com negros, os quais, inclusive, já mediu em arrobas. Sua intolerância com a justiça social se expressa em cada ato de governo e de fala. Um bufão que despreza a democracia;
  14. Pureza – pode ser puro aquele que só se move por interesses? Como é puro aquele que não é transparente, que engana com a meia verdade e falsifica a si mesmo? Bolsonaro é ardiloso, cria factoides diversionistas para afastar o olho e o julgamento de suas piores ações e intenções. Democracia é transparência, diz Bobbio. Bolsonaro é uma nota de três reais, falso, dissimulado, intrigante. Odeia a luz da verdade, roubou as vestes da Verdade. É fake na origem e no caminho. Não se pode esperar pureza daquele que prefere a confusão das águas turvas;
  15. Doçura – não faz parte do universo bolsonariano. Segundo o filósofo que nos empresta seus ombros a esses comentários, essa virtude é definida como “fazer o bem provocando o menor mal possível ao outro”. Procuramos com lupa o bem que faz Bolsonaro, difícil encontrá-lo. Ele mesmo declara que veio para destruir e é fácil encontrar os rastros deixados em seu caminho aniquilador. A morte de 190 mil pessoas, por sua negligência; a indiferença à queima de milhares de quilômetros de biomas com grande biodiversidade, onde morre um acervo insubstituível de toda a humanidade; a adoção de venenos que envenenarão gerações. Mas seu veneno mais perigoso é o ódio e a intolerância provenientes de seu método de fazer política, que se instalaram no espírito dos brasileiros e dele emergiram;
  16. Boa-fé – essa Bolsonaro explora, mas não pratica. Propagandeia e produz com recursos públicos o remédio que comprovadamente não trata a Covid-19; faz como o pastor ilusionista, que conduz seus fiéis à morte nas selvas da Guiana. Cria o medo de vacinas que podem evitar a morte pelo vírus. Pode errar até aquele que busca com pureza a verdade. Mas professa que a boa-fé ampara suas ações, e não o engano, a falsidade. Boa-fé é o contrário de fake news, da mentira elaborada para iludir. Bolsonaro é o grande beneficiário da fábrica de mentiras nas redes sociais. Foi eleito por elas, governa com elas. Como as financia, ainda se há de ver e provar;
  17. Humor – o de Bolsonaro parece florescer, no seu sorriso de novo rico. Ri de tudo. Mas isso é humor? O humor é um bálsamo para quem sofre. Não, Bolsonaro exerce a ironia, arma destruidora, que zomba do sofrimento alheio. Quando diz que quem gosta de ossos é cachorro, zomba do luto não resolvido das famílias de presos políticos desaparecidos; quando ironiza as torturas sofridas pela Presidenta Dilma, tenta torturá-la novamente, provocando memórias tão terríveis para ela e para toda uma geração. Bem humorado, não, é um manipulador da ironia, para torturar com palavras e humilhar o submetido. Isso não é virtude, é pura malícia, maldade;
  18. Amor é síntese, origem e chegada de todas as virtudes. Amam aquele e aquela que constroem, que se entregam sem interesses, que agem de boa-fé, que toleram, que alimentam a si e ao outro, sem pedir nada em troca. O amor acontece, mas também se aprende. É difícil enxergar amor em Bolsonaro. É Thanatos, não Eros, é morte e não vida. Bolsonaro não ama o Brasil, ele o despreza, não ama a Deus – e como poderia, se seu deus não é Vida, é morte.

Lula disse que Bolsonaro é um homem sem valor. É também um ser humano deplorável. E nisso, é autêntico.

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