Frequentemente encontramos editoriais de jornais defendendo veementemente a posição de que o Brasil deve centrar sua economia em torno de uma suposta vocação agroexportadora, historicamente bem-sucedida. Trata-se, na verdade, da antiga doutrina das vantagens comparativas, formulada pelo economista inglês David Ricardo, no início do século XIX. Segundo esse pensamento, cada nação deveria se inserir no comércio internacional especializando-se naquelas atividades em que apresentaria vantagens comparativas sobre as demais nações.

Poderíamos, a partir daí, concluir, por exemplo, que a Inglaterra, então já em processo de franca industrialização, se especializaria na produção de manufaturas, enquanto outras nações entrariam no sistema de relações econômicas como exportadoras de matérias-primas. Segundo a doutrina daí derivada, se o mercado internacional de trocas fosse deixado livre, ele caminharia para um equilíbrio, caracterizado pela equalização, entre outras coisas, do preço da mão de obra. Em outras palavras, um trabalhador da agricultura teria a mesma renda que um operário de um centro industrial.

Entretanto, a literatura da história econômica, sobretudo aquela voltada aos estudos comparativos dos diferentes processos nacionais de desenvolvimento, mostra com profusão de evidências, devidamente que país algum se tornou uma nação desenvolvida na Era Moderna assentando sua economia na exportação de produtos primários e sem estabelecer qualquer base industrial. Erik Reinert mostra isto em sua excelente obra “Como os países ricos ficaram ricos… e por que os países pobres ficaram cada vez mais pobres. Pelo contrário, todos os países que hoje compõem o seleto grupo das nações economicamente desenvolvidas atingiram esse estágio pelo incentivo à produção industrial em setores considerados estratégicos.

Conforme mostra Reinert, todos os processos de desenvolvimento econômico e social bem-sucedidos se apoiaram na combinação de alguns elementos: inovação, atividades com rendimentos crescentes de escala, diversificação e sinergias entre as diferentes atividades econômicas.

Em todos eles esteve presente a aposta no domínio de atividades tecnologicamente de ponta, amparadas em seu estágio inicial por medidas protecionistas adotadas pelos respectivos Estados nacionais. Reinert explica que o pioneirismo associado às atividades inovadoras impede nos momentos iniciais o estabelecimento do fenômeno da concorrência perfeita – em que se baseia grande parte da doutrina econômica neoclássica – garantindo àqueles que detêm a dianteira no empreendimento a possibilidade de grandes retornos econômicos.

Além disso, o autor também salienta que a atividade industrial e os serviços que envolvem grande conhecimento tecnológico – tanto mais quanto mais alta é a tecnologia incorporada –, são as atividades naturalmente afeitas aos ganhos de escala, isto é, a diluição de custos fixos por um número maior de itens produzidos, gerando uma elevação de produtividade. Neste sentido, esses ganhos de produtividade obtidos primordialmente nas atividades industriais e de serviços tecnologicamente especializados permitem aumentos de salários que se irradiam, em termos de aumento de demanda, para os setores econômicos mais afastados das vanguardas, produzindo um efeito generalizado de aumento da renda.

A argumentação, muito bem conduzida por Reinert, leva à conclusão de que, mesmo uma indústria insuficientemente eficiente para competir em escala internacional, minimamente dotada de incorporação tecnológica, é preferível à situação de ausência de qualquer atividade industrial, fornecendo exemplos históricos concretos para embasar essa comparação.

O Brasil, a partir de determinado momento do século XX, lançou-se na construção de um parque industrial nacional, relativamente complexo. No entanto, as últimas décadas assistiram a um fenômeno de desindustrialização de nossa economia. Afora a nostalgia por um passado agrário-oligárquico, não se compreende a oposição à adoção de políticas industriais que não somente revertam a tendência desindustrializante da economia nacional, mas que aumentem a inserção do país na produção de bens tecnologicamente avançados.  O ensinamento da história parece suficientemente claro: esse é o caminho para a riqueza e a soberania nacionais.

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Ilustração: Mihai Cauli
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